maniac

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A previsão do tempo estava, aparentemente, errada. Cecília se ocupou tanto em escolher o visual perfeito que não se atentara aos raios solares invadindo por suas janelas. Do lado de fora, ainda tênue, clareavam a rua e brilhava ao horizonte, tímidos.

Seus olhos rapidamente correm à Amália, que colocava um boné preto e óculos escuros, já dentro do carro.

— Reese não tem teto? — Pergunta, abrindo a porta que batia em sua cintura.

— Ele tem. — Ela coloca o cinto de segurança, olhando-a ao terminar — Mas quem teria coragem de colocar um teto sob um dia belo assim?

— Vamos ver... — Cecília leva a mão ao queixo, fingindo esforçar-se para pensar — vampiros que queimam no sol, talvez?

Amália ri, dando partida ao carro.

Mais uma vez, Cecília não entende. Podia ver as bochechas dela se rosarem, como se passassem muito tempo dentro do mormaço da praia, desprotegidas.

— O sol não vai te queimar?

Sua fala atrai a atenção de Amália, que deixa de olhar para a estreita rua do bairro suburbano.

— Eu achei que você já tivesse entendido.

— Por que não? — reforça a pergunta.

— Ah, Ceci! — ela diz, acelerando.

Antes que termine a linha de raciocínio, seus olhos se fixam ao retrovisor preso entre as duas. Amália tira os óculos com a mão direita, encarando seriamente o reflexo no espelho. Sua boca, em linha reta, morde levemente as bochechas.

— O que está olhando?

A cabeça dela volta a se inclinar em direção à Cecília, agora entregando seus olhos prateados misturados ao rubor das bochechas.

— Achei ter visto alguma coisa.

.

— Me diga que você lembrou de pegar tudo o que precisava.

Amália sussurra ao pé de seu ouvido, conforme se espremem na estreita caixa de metal do edifício da imprensa de Ponte Velha.

— Claro que lembrei! — responde, tão baixo quanto. Cecília aproxima de seu corpo a pasta preta que carregava.

Pela segunda vez, as portas do elevador se abrem, dando espaço para que um homem na faixa dos quarenta anos se junte a elas. Usava suspensórios azul marinho, que se destacavam sobre a calça social bege. Trajava uma camisa branca, lisa, e segurava uma caneca funda, com café preenchendo-a pela metade. Ele acena, e Amália limpa a garganta, certificando-se que seus óculos escuros estão bem-posicionados. Cecília começa a sentir a palma da mão suar.

— Entrevista? — ele pergunta, relaxado.

— Como? — Cecília responde, meio avoada.

— Está aqui para uma entrevista?

— Ah! — solta uma risada nervosa — É, sim, estou.

— Como jornalista?

— Não. Redatora das palavras-cruzadas.

Ele assente, em silêncio, enquanto o elevador continua a subir. Quando as portas se abrem novamente, o homem dá um passo para fora, olhando-a uma última vez.

— Uma cruziverbalista, então? Boa sorte!

— Obrigada... — ela sussurra, embora ele já esteja distante demais para ouvir. Os adornos de seus suspensórios desaparecem de sua vista conforme as portas se fecham, como fizeram das últimas duas vezes — eu acho.

sol da meia-noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora