strangers

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Cecília diria com facilidade que assistiu aos últimos seis meses se passarem num piscar de olhos. Na verdade, cada vez que piscava os olhos enxergava borrões reais demais para se disfarçarem de invenções em sua mente. Então, a cada piscar, encontrava um motivo diferente para sua dor.

Via o falecimento de sua avó, Louise, e chorava em sua perda. Assistia à despedida de Geórgia, sentia-se sozinha. E assim, visualizava os meses seguintes que passara escondendo-se das próprias memórias. Escondia-se em sua casa, como uma espécie de forte resistente à todas as guerras da história do mundo. Não organizava e não limpava, Cecília não conseguia.

Poucas vezes saíra de seu lar, e poucos vieram a visitar. Não por desinteresse - muitos se importaram com a neta da querida Louise -, mas por serem sempre mantidos para o lado de fora.

O chiado constante da televisão era o barulho que ouvia. Seus olhos, entretanto, estavam sempre ocupados na tela de seu notebook.

— Por que esses programas são tão estúpidos? — Olhando de nuance para o aparelho, não espera uma resposta.

Irritada, distrai-se novamente com a tela que rolava ao laptop. Escolhia algumas peças de roupa online, mas não encontrava alguma que a agradasse. Fazia-o, unicamente, porque sua súbita perda de peso ocasionara calças largas e camisetas desproporcionais.

— Deveria tentar trocar de canal.

A fala, calma e bem atenuada, alcança os ouvidos de Cecília.

— É. — emitindo uma risada nasalada, demora a se dar conta que esta não é a própria voz.

Cecília olha abruptamente para o balcão da cozinha, onde pensa ter ouvido a nova companhia, mas não vê nada. Seus olhos seguem para a porta principal, que continua fechada e tem costume de emitir um grunhido barulhento sempre que aberta. Pensa para si, então, que não é impossível estar enlouquecendo.

Apoiando o laptop sobre o sofá, levanta-se, atenta.

Não poderia ser alguém invadindo sua casa. Afinal, morava em Ponte Velha, o local mais antigo e tedioso do mundo: não havia invasões de casa ali.

Cecília olha pelo ambiente, correndo os olhos pela cozinha e seus cantos mais escondidos, para assegurar-se que não estava sendo observada. Em seguida, tranca a porta que leva ao quintal. Cruzando um curto corredor em direção à sala de estar novamente, ouve ruídos. O chiado estático da televisão agora estava desligado. A luz, acesa.

Suas pernas pendem, acompanhando a instabilidade de sua respiração. O corpo de Cecília liberava ondas de adrenalina aos músculos e pulmões, deixando-a tonta. Talvez, por medo, ou dada a quantidade desmoderada de tempo que enfrenava sem se alimentar.

Embora sua visão esteja turva, a jovem se aproxima da entrada da sala de estar, curiosa.

— O que houve aqui?! — Pode escutar a mesma voz de antes, mas mais alta.

Apoiando-se contra a parede, Cecília alcança o fim do corredor. Deparando-se com uma alta silhueta escorrida pelo chão, levanta o olhar em direção às costas de uma mulher. Esta chacoalhava as cobertas, antes jogadas sobre o sofá, e recolhia almofadas do chão.

Cecília sente seus pés colarem ao chão, e suas mãos os acompanham à medida que ela se abaixa. Grunhindo baixo, passa a hiperventilar.

A mulher, então, cessa o que faz. Mantendo o olhar fixo em direção à parede, pende a cabeça levemente. Aguarda alguns momentos, como se pudesse ouvir a respiração de Cecília.

— São muitos cobertores espalhados pelo chão para apenas uma pessoa.

— V-vá embora... por favor.

sol da meia-noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora