Deus perverso

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Jeongguk não teria se lembrado da conversa com o estranho e as direções confusas sobre um responsável pelas tartarugas se, uma semana mais tarde, um panfleto de divulgação do aquário Sea Life não tivesse parado nas suas mãos.

Apesar de ter dificuldades em fazer amizades e ser um pouco introspectivo, o moreno era extremamente educado com estranhos. Agradecia ao ser atendido em lojas e restaurantes, cedia o próprio lugar no ônibus para as pessoas com preferência e sempre, sempre pegava os panfletos que lhe eram oferecidos na rua.

Foi da maneira mais comum e prática, então, que aquele panfleto parou em suas mãos. Estava conduzindo a moto pelo centro de Gangnam com o objetivo de entregar uma encomenda do restaurante da mãe, quando estacionou em uma vaga próxima do endereço desejado e, nos poucos passos que precisou dar até alcançar o prédio empresarial, foi abordado por uma garota jovem, provavelmente adolescente. As mãos estavam vazias porque a entrega estava guardada na mochila que carregava nas costas, e é claro que ele não hesitou em pegar o panfleto, sorrir pequeno para a menina e se afastar em seguida.

Também por questão de educação, Jeongguk costumava esperar se afastar alguns passos até jogar os panfletos fora, mas daquela vez, não seguiu esse procedimento. Quando leu o título chamativo, arregalou os olhos em surpresa, a conversa com o estranho de uma semana atrás voltando perfeitamente na memória. Não havia nada sobre tartarugas no panfleto, uma vez que as atrações principais eram tubarões, arraias e cavalos marinhos. Mesmo assim, guardou o panfleto no bolso sem entender exatamente o porquê de fazer aquilo, e não pensou na história outra vez, até que o dia de lavar roupa chegou. E foi um dia terrivelmente complicado, porque era data de aniversário de namoro com Yoora e ele achou que estava tudo bem, que estava melhorando e aprendendo a lidar com a situação, até começar a chorar no banheiro assim que a água quente bateu em suas costas. Nesse dia, não ousou colocar os pés para fora do quarto antes dos pais saírem para trabalhar. Enviou uma mensagem para a mãe dizendo que não estava se sentindo bem para trabalhar, recebeu permissão para dispensar Yoongi pelo dia e manter a loja fechada. Dormiu até o horário do almoço, fez um lanche meia boca e resolveu que não deixaria os sentimentos de disfuncionalidade dominá-lo; se não podia trabalhar fora de casa naquele dia, ao menos poderia trabalhar dentro de casa.

Foi assim que acabou lavando roupa e, ao checar os bolsos de todas as calças sujas, encontrou o panfleto novamente. Tentou ignorá-lo durante as horas seguintes que separou e pendurou roupas, mas na última remessa de roupas na máquina, entrou dentro de casa para fazer um lanche e encontrou o maldito pedaço de papel mais uma vez, descansando na mesa de mármore. Franziu o cenho, desconfiado. Não tinha jogado aquele panfleto fora mais cedo?

Agora não importava mais, porque a conversa com o estranho repassava outra vez na sua cabeça, assim como tantas outras que tivera com Yoongi e Jeongguk estava subitamente irritado porque não conseguia acreditar que havia chorado por Lee Yoora outra vez, justamente no dia de aniversário de namoro.

Jeongguk estava tão cansado de chorar.

Desde que terminou com a ex-namorada, Jeongguk tomou um pequeno conjunto de atitudes impensadas motivadas pela grande quantidade de álcool em seu organismo. A primeira delas foi ligar para Yoora quatro dias depois do término, a fala enrolada transmitia todo seu desespero ao perguntar freneticamente, uma, duas, três vezes.

— Era uma brincadeira, não era? Yoo-ah, por favor. Eu entendi que preciso melhorar. Eu vou- eu faço-

Ele se interrompeu em algum momento da própria fala, percebendo que, mesmo para um bêbado, aquilo era humilhação demais. E se sentiu ainda mais humilhado no dia seguinte, ao acordar com a cabeça latejando e lembrar da ligação, de escutar apenas a respiração suave de Yoora e nada além disso na linha, por alguns segundos antes dela desligar.

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