6. Epílogo

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Vem já, antes que anoiteça
Tecer noites e páginas...

Mão e Luva - Adriana Calcanhotto

_Tempos depois _

Gangnam, Seul, Coreia do Sul

A vida corria de maneira diferente daquilo que se planejava. Cedo ou tarde todos acabavam percebendo que planos eram ótimos, porém, precisavam ser adaptáveis, e era preciso criar planos alternativos para caso o fracasso viesse abraçar os objetivos principais. Acontecia com todos, sempre, em maiores ou menores proporções. Não havia como fugir do inevitável.

Namjoon quis ligar para Seokjin, certamente que quis. Depois de o reencontrar sem querer naquele mesmo lugar que tinha sido tão marcante, após horas noturnas de conversas e de lembranças antigas e novas se revezando entre eles, Namjoon realmente quis que, daquela vez, não tivessem que esperar mais vinte anos para se verem outra vez. Fosse para manter a amizade ou o que tivesse que ser, Namjoon estava com a mente e o coração dispostos a tanto. No entanto, como qualquer um, ele estava sujeito às intempéries da vida, e a força do querer, não poucas vezes, não costumava ser suficiente para manter o desejo de uma pessoa de pé por tempo o bastante para se tornar algo concreto.

Chegou a puxar o número de Seokjin pela tela do celular algumas vezes — menos do que achou que faria, porém —, e fitou a combinação numérica e o título do contato por bons segundos antes de desistir. Não era medo, não era timidez, nenhum sentimento similar a eles. Apenas não conseguia deslizar o dedo pelo aparelho e apertar o botão de chamada. O motivo, talvez, fosse egoísmo; provavelmente a mesma razão pela qual não tentou manter contato com Seokjin quando o conheceu muitos anos atrás.

A sensação de ter Seokjin somente para si, ainda que restrito ao espaço da memória, era tentadora demais para que Namjoon quisesse disputar o poder de sua imaginação fértil com a inconsistência da realidade. Enquanto Seokjin vivesse em suas recordações e nos seus pensamentos, seria dono dele. Poderia reviver tudo o que passaram juntos, moldar as lembranças, inventar outras. Poderia sonhar com linhas temporais diferentes em que tinham, de fato, sido a grande história de amor um do outro, vivendo juntos para sempre numa terra muito, muito distante, ou qualquer coisa que o valha. Mantendo Seokjin nos recantos mais doces de seu coração, tinha a chance de fazer o que quisesse com ele, algo que jamais conseguiria caso aceitasse o desafio de trocar a fantasia pela vida real.

Sempre soube, desde a primeira conversa, que Seokjin era um homem livre. Aquele sujeito que gostava de cigarros e de atormentar caranguejos, o mesmo sujeito que anos depois respeitava animais como se humanos fossem e que passava longe da nicotina, jamais seria aprisionado pelo o que quer que fosse. Não havia amarra moral, sentimental ou emocional que prendesse Kim Seokjin a lugares, convenções ou pessoas. O rapaz que teve por dias na juventude, e o homem que reencontrou e possuiu por uma noite, não conseguiria ser feliz cerceado, da mesma forma que um pássaro não é genuinamente alegre quando passa os dias numa gaiola. Seria um crime tentar prendê-lo, e Namjoon não queria passar pela desilusão da tentativa frustrada. Tanto melhor ficar com Seokjin em recordações; nelas, seus destinos eram como ele, Namjoon, gostaria que fossem, e não como inevitavelmente haveriam de ser.

Por isso, mesmo podendo, Namjoon não o procurou. Ainda que quisesse, não cedeu ao impulso. Seguiu seu caminho com tranquilidade, evocando as memórias ternas com Seokjin quando e onde tinha vontade, pensando em possibilidades, criando realidades, se divertindo com aquilo. Escolheu, como em 1999, a trilha mais fácil para si, e se refletisse com cuidado, iria concluir que não havia por que se arrepender da decisão, nem na primeira, nem na segunda vez. Na paz de seu apartamento quase minimalista em Seul, ou em quartos de hotel limpos e bem arrumados, Namjoon podia ter Seokjin a qualquer hora do dia ou da noite, bastando para tanto que fechasse os olhos e se deixasse guiar pelo passado. Era bonito, e era poético. Era tudo o que precisava. Havia beleza na imaterialidade daquilo que o coração carregava. Namjoon tinha olhos para a enxergar.

Era verão, o ano era 1999Onde histórias criam vida. Descubra agora