Capítulo 5

194 45 540
                                    

Agora

O lugar era esplêndido, com colunas de cimento cru enormes dando destaques para as expressões gráficas pintadas pelo hall de entrada, pela porta de vidro que dava para a área externa ela pode ver árvores, algumas mesas, bancos e o chão coberto de grama que se estendia além da vista. Imaginou-se ali, sentada em baixo de uma árvore, lendo um livro ou estudando para alguma prova, os pés tocando a grama macia e o vento da manhã tocando o seu rosto.

— Aqui esta sua documentação.
A mulher entregou uma pasta com documentos para Cecília e logo em seguida sentou-se atrás da mesa, com um sorriso gentil no rosto.

Cecília passou os dedos delicadamente sobre seu nome impresso na pasta  de papel firme. A abriu e viu todos os seus dados pessoais impressos numa folha, histórico escolar, comprovante de residência, ficha de matrícula. 

— Você perdeu a segunda fase de provas,  Cecília.  No seu caso te daremos um prazo a mais  para estudar. Estamos em recesso, mas você poderá fazer as provas nas datas marcadas nesse papel.

Cecília pegou o papel sem saber o que falar direito.

— Não lembro quando fiz a matrícula.  Só fiquei sabendo que era uma universitária porquê vocês me ligaram...

E novamente ela visualizou o olhar de pena no rosto da funcionária, assim como o médico e as enfermeiras a olhavam no hospital.

— Sinto muito, querida. Lembro de você  quando fez sua inscrição.  Tinha um rapaz junto, ele causou muitos cochichos por aqui enquanto te esperava. 

— Rapaz?

Por que Alex omitiu essa informação? Talvez pensasse que ela se lembraria dessa parte. Cecília respirou fundo e entregou a pasta. O que mais surgiria?

— Gael Conata.— A mulher disse, ainda com o sorriso gentil no rosto.

— Ah?— Cecília perguntou pensando não ter ouvido direito.

— O rapaz que estava com você.

Cecília ergueu as sobrancelhas,  sem palavras, tentou puxar na memória qualquer coisa que a fizesse lembrar do dia que ela foi fazer a matrícula , de repente sentiu-se tonta, perguntou onde ficava o banheiro e saiu da sala rapidamente. Mal deu tempo de entrar num compartimento que jogou todo o café da manhã na privada, pontadas leves de dores na cabeça  a fez sentar no chão frio. Fechou os olhos, pois tudo girava.
Lágrimas grossas desceram pelo rosto cansado da mulher. Não podia forçar a mente e, por mais que havia falado com Gael que não queria lembrar, era horrível não lembrar de alguns meses de sua vida, meses nos quais muitas coisas importantes aconteceram que Alex fez questão de se manter quieto depois do que aconteceu.
Sem pensar duas vezes Cecília levantou-se e agradeceu. Cada dia que passava algumas descobertas eram estranhas. Por que Gael a trouxe no dia que fez a inscrição?
Apoiou a cabeça no volante, procurando orientação. Ele era o único que daria respostas a ela e, Cecília sentiu que não era apenas desse episódio, mas de muitas coisas que se esqueceu dos últimos meses.

Decidida, ligou o motor e deu partida, se sentindo um pouco melhor por estar pilotando o carro esportivo que Alex tanto prezava e odiava que ela o pegasse para qualquer coisa. Mas foi esperta, quando ele deu conta ela estava saindo no portão da garagem do prédio, com rumo para levar o filho para escola. O menino a olhava e ria como se soubesse que a mãe tinha acabado de contrariar o pai. Os cachinhos loiros caindo acima dos olhos verdes, o rosto rechonchudo e levemente corado a fez abrir o primeiro sorriso do dia. Otávio era a cópia perfeita do pai na aparência.
Antes de entrar na via verificou o horário, ainda tinha um bom tempo até a hora de buscar Otávio na escolinha. Precisava saber de algumas coisas e ia atrás de respostas.

Lembrou-se do antes, quando o peito ardia de desejo de estudar em uma universidade, estudar para o vestibular se tornou satisfatório.  Então veio Alex e em seguida uma gravidez não planejada e todo o seu sonho foi trancafiado dentro de uma caixinha no fundo do peito enquanto vivia em prol da gravidez e da nova vida que Alex a proporcionou, uma pessoa que num dia economizava cada centavo e no outro não tinha preocupações, a não ser dar ordens para empregados, decidi as refeições, pesquisar modos de etiquetas e montar o enxoval. Enquanto o marido cursava o penúltimo semestre da faculdade, trabalhava e passava o dia inteiro fora, às vezes, à noite, Alex se trancava no escritório, pois precisava de paz para produzir o TCC.

Cecília sentia uma pontinha de inveja, pois queria viver todo aquele processo. Otávio nasceu e ela dedicava a maior do tempo à maternidade e, o assunto sobre faculdade foi ficando para trás. 

A tristeza a atingiu. Houve um tempo que ela teve a oportunidade de viver um pouco do processo da vida universitária. Foi nesse período que sua vida mudou radicalmente.
No sinal vermelho ela encostou a cabeça no volante, pensativa e cheia de duvidas. Então, quando o sinal abriu ela curvou na via para a direita e, depois de quinze minutos chegou ao destino. Ela estacionou o caro em uma vaga e desceu, adentrando o portão aberto, alto e detalhado.
Por mais que fazia tempo que não ia ao local, sabia exatamente onde deveria ir. Delicadamente, com contornou o nome gravado no mármore.

—Olha só, estou aqui. Demorei, não foi? Mas, desta vez voltei sem um pouco de memória. Isso é muito louco, não?
Ela riu sem graça, sentada ao lado da lápide, olhando um ponto distante em meio aos outros túmulos.

— E nada mudou. — ela continuou — Ou talvez tenha mudado e essa mudança se perdeu junto com minha memória...

Cecília segurou o choro, cruzou os braços sobre o joelho e descansou a cabeça, fitando o chão coberto de grama verde, assim como a área externa da faculdade.

— É Adolfo, às vezes reclamamos de como a vida é injusta, mas esquecemos de que tudo acontece do jeito que precisa acontecer por consequência das nossas próprias escolhas. 

Suspirando, ela levantou-se. Iria embora dormir, o dia mal havia começado e o cansaço mental a abateu.

............................................................................

Cecília fechou os olhos, se mexendo mais uma vez em meio aos lençóis e travesseiros, sentindo-se incomodada em meio ao conforto, sentia falta de algo, de algum cheiro característico. Ali era tão frio. Quando ficou assim?
Aos poucos o sono foi chegando e, no momento que começou a cair na inconsciência ela se viu deitada em uma cama extremamente macia e grande, o cheiro de café pelo cômodo e algo a mais. Ela estava feliz. O cheiro do lençol e na fronha do travesseiro, o cheiro de alguém e de todas as manhãs. Era viciante. Ouviu seu nome ser chamado e teve um vislumbre da cozinha, de uma geladeira cheia de fotos.

Cecília abriu os olhos. O coração acelerado. Não era sua casa, não era o cheiro ou a voz de Alex. Seria uma lembrança ou um sonho?

Antes, agora e depois.Onde histórias criam vida. Descubra agora