Capítulo 17

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"Todo o homem é culpado do bem que não fez."

Voltaire

Seth caminhou pelo deserto por longas horas, o maná que Miguel lhe dera renovou suas forças e ele se sentia forte e disposto. Caminhou a manhã toda, apenas seguindo a direção que o arcanjo apontara. Quando o sol já estava a pino avistou as ruínas de uma cidade e caminhou para lá. Sabia que precisaria encontrar abrigo logo, o calor se tornava cada vez mais insuportável.

A cidade em ruínas ainda conservava alguns prédios em pé. Seth sabia que eles já haviam sido gigantescos, mas agora a areia soterrara a maior parte e os prédios não tinham mais que alguns poucos andares. Seth não se arriscou a entrar em nenhum deles, sabia que poderia haver perigo. Caminhou silencioso até encontrar um prédio em ruínas que lhe forneceria a sombra e o abrigo que precisava. Sentou-se encostado a uma parede, podia ver o deserto a frente, estava calor ainda, mas no deserto tudo era pior.

Durante toda a manhã Seth havia evitado pensar no que havia acontecido, focou apenas em caminhar. Mas agora, ali sentado sozinho, não tinha como evitar. Olhou para as mãos sujas de sangue, era o sangue dela, agora não passava de marcas longas e sujas, mas sabia que debaixo de toda aquela poeira estava o sangue dela.

- Hope! – Sussurrou baixinho, uma lágrima teimosa escapou e ele a secou no ombro.

A dor que havia sufocado até agora voltou de uma vez, então se levantou e resolveu explorar o prédio em que estava, até enfrentar um demônio era melhor do que ficar ali sozinho e ter que encarar toda aquela dor. Sabia que precisaria lidar com aquilo, mas ainda não estava pronto.

Subiu por uma escada que não parecia muito segura e foi para o segundo andar, esperou os olhos se acostumarem com a escuridão, ao contrário do andar debaixo ali as paredes estavam todas de pé e a luz não podia entrar porque as janelas estavam bloqueadas. O ar ali parecia pesado e um cheiro inconfundível de carne humana em decomposição tomava o lugar.

Seth empunhou suas lâminas celestiais, elas tinham apenas o leve brilho de costume e estavam frias, cobriu o nariz e a boca e forçou os olhos na escuridão, seus instintos lhe diziam para recuar, mas caminhou para dentro da sala mesmo assim. Foi até onde o corpo estava, quem quer que fosse não parecia ter sido atacado por um demônio, eles não costumavam deixar suas vítimas inteiras, aquela mulher deveria ter morrido de fome ou sede talvez. Decidiu que aquilo era o suficiente, onde quer que fosse a morte lhe acenava debochada, voltou pelo caminho que veio, esperaria a temperatura amenizar e então voltaria para o deserto.

Sentou-se recostado na parede e respirou fundo, o calor agora era massacrante, mesmo ali dentro. Fechou os olhos e recostou a cabeça na parede, não queria pensar em nada, queria apenas esvaziar a mente e o coração, não queria sentir. Mas o que ele queria e o que realmente acontecia eram coisas bem distintas. Seth ficava revivendo a morte de Hope em sua mente, o golpe que o demônio dera pelas costas dela e o desespero em seus olhos, a agonia de vê-la dar o último suspiro e todo o sangue borbulhando para fora do corpo dela. Levantou-se de um salto, aquilo era demais para ele, estava sufocando em tanta dor. Saiu do prédio e caminhou pelas ruas desertas, tentando manter-se a sombra o mais que podia. O vento soprava quente, fazendo com que suas roupas grudassem desconfortavelmente no corpo, o calor o fazia se sentir pesado e mais lento, mesmo assim caminhou para a parte interna da cidade, onde havia mais sombras e o calor era menos intenso.

Explorou alguns prédios em ruinas e quando virou em uma esquina, ou o que havia sobrado de uma, deparou-se com uma cena chocante, um anjo estava sentado de costas para ele, afiando uma longa espada. Depois da experiência com Anael, Seth se preparou para o pior, já não sabia exatamente de onde o perigo poderia vir.

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