Wangji estava bem, ainda que as pernas estivessem doendo mais do que qualquer ferimento que havia tido nos incontáveis anos de vida, nada agoniava o coração do deus, estava calmo.
Huaisang estava com o marido, não queria negligenciar sua presença ainda no momento difícil que estavam passando, após observar por anos o relacionamento de Xue Yang com o falecido amado, teve a certeza de que quando de ama um mortal, cada fração de segundo é preciosa e precisa ser aproveitada.
Xichen se encarregou de procurar o bruxo do castelo para tentar ao menos aliviar a dor do irmão, Guangyao tinha apenas 13 anos mas sua família havia servido as Deuses a centenas de gerações, atualmente era o mais velho bruxo vivo na família então se esforçava para conseguir atender a eles mesmo sendo tão novo.
Xue Yang se encarregou de Wei Wuxian.
— Sou grato a ele - confessou ao deus enquanto subia as escadas, a situação ainda parecia muito utópica para si — Mas por hora, não posso prometer nada além disso, gratidão.
Wuxian era sincero, ainda que sentisse o corpo arder e esfriar ao mesmo tempo apenas de lembrar o toque de Wangji sobre seu corpo submerso pela água, ainda que sentisse a conexão irrefutável que vibrava em seu corpo junto a energia vital que havia sido passada para si, ainda que Wangji fosse a personificação de todos seus ideais de beleza, ainda não poderia prometer amor.
Xue Yang permaneceu em silêncio até terminarem de subir a longa escada, sabia que ninguém poderia obriga-lo a retribuir os sentimentos de seu irmão, mas temia as consequências que que aquela possibilidade traria para o caçula.
— Você pode entrar – falou quando pararam em frente a porta grande do quarto de Wangji — Caso não queira passar a noite com ele, avise e Wangji pedirá para que um servo prepare um quarto apenas para ti.
Wuxian observou enquanto o outro descia as escadas novamente, a mão tocou a porta com ansiedade e receio, nao sabia quem encontraria do outro lado, torcia para que fosse o mesmo homem que salvou sua vida, que tocou seu corpo com suavidade e ternura, que observou sua existência que considerava tão medíocre com admiração e paixão.
Por outro lado, temia encontrar o Deus cruel e egocêntrico, aquele que matava sem pudor e arrependimento, que carregou o peso de milhares de vidas ceifadas como se fossem plumas, que regia a vida dos mortais as suas vontades.
Wuxian abriu a porta torcendo para que todos estivessem errados sobre o quarto rei dragão e entrou sendo arrebatado por todos os sentimentos e dúvidas que tinha. Wangji foi tomado por sentimentos demais ao vê-lo entrar, contemplou cada passo do mortal até estar próximo a cama sendo agraciado com o que para ele poderia ser considerado perfeito.
Os olhos do mortal foram direto as pernas imóveis do deus, a pele morta ganhava a cada segundo uma aparência pior, a putrefação do tecido ocorria a todo momento e por mais que Wangji a sentisse muito bem, ele não falaria, a dor era uma consequência que tentava ao máximo carregar sozinho, para não derramar a sensação de culpa naquele que nada tinha a ver com suas escolhas.
— Não olhe para isso – cobriu as pernas com o tecido fino que estava sobre a cama, a voz saiu fraca, temia que até seu tom não fosse acolhedor o suficiente, coisas que para ele só importavam quando se tratava de Wei Wuxian.
— Eu... – começou a falar por mais que não soubesse bem o que queria dizer, Wangji se moveu na cama dando espaço ao seu lado e então se sentou afundando o colchão macio — Não sei ao certo o que vim fazer aqui, mas eu quero entender, Yu-jie me disse que a tempos me observava, que isso não aconteceu do nada, quero saber seus motivos.
— Eu não quero que me odeie Wuxian, mas eu odeio a humanidade e o que consideram humano e você precisa estar ciente disso pra entender o que vou te explicar.
Wangji respirou fundo, ele sabia de tudo, sentia todos os sentimentos e receios do mortal e temia falar apenas o que confirmaria tudo o que falavam sobre si.
— A um tempo atrás eu tive um dia difícil, mais um dia difícil – as lembranças eram carregadas de sentimentos ruins de mais para que Wangji conseguisse controlar e então lá fora, o clima espelhou o que o deus sentia e a humanidade novamente odiou o deus — Nos criamos esse mundo, cada parte dele reflete em um deus, o mar e os céus são continuações minhas e dos meus irmãos, é parte de mim, a agua é onde tudo que é puro em mim se encontra e os humanos insistem em suja-la.
A voz soava rude, a raiva fazia com que segurasse o lençol macio com força na falha tentativa de tentar se acalmar e parar a chuva forte que caia lá fora, a energia negativa que tomava seu corpo era sentida também por Wuxian que se sentia pequeno e amedrontado, mas não falaria nada, até então não tirava a razão do deus de estar com raiva.
— Tudo aquilo que não tem serventia para aqueles que navegam é jogado ao mar, é jogado sobre mim, naquele dia jogaram sujeira, jogaram corpos sem vida, lutaram e me mancharam com sangue, porque humanos são assim, criam conflitos idiotas e morrem por isso, destroem tudo que realmente importa, o mundo, a família, o amor e depois espalham para as novas gerações que os egoístas somos nós por os punirem, tiram da gente o direito de agir conforme nossos sentimentos, enquanto suas ações são guiadas por coisas ainda mais medíocres ganância, poder, orgulho.
Wangji queria gritar verdades cruéis sobre a humanidade, mas sabia que não era aquele humano que merecia as ouvir, os olhos enchiam de lágrimas que ele se esforçava ao máximo para não deixar cair, no final raiva não era tudo que sentia.
Wuxian deslizou as mãos sobre o lençol até que tocasse as de Wangji, as segurou com delicadeza enquanto fazia um carinho suave no dorso de sua mão, o deus encarou a ação do outro por alguns segundos e sorriu antes dar continuidade a história.
— Eu estava com raiva e magoado, sei que é responsabilidade minha controlar meus sentimentos para que o tempo não atrapalhe vocês, mas naquele dia eu não consegui.
O silêncio se fez presente por alguns segundos, a atmosfera do quarto era fria e nebulosa por conta da energia de Wen Ning presente nas pernas cobertas e para Wangji tudo era melancólico demais.
Não se agradava da ideia se expor tanto de seus sentimentos e incômodos que até então, apenas os irmãos haviam vistos, se sentia frágil e indefeso quando tudo que queria transmitir ao humano tirado da guerra era proteção e força.
— Todas as orações que me fizeram naquele dia foram feitas com um ódio que sinceramente, eu não merecia, imploravam para que a chuva parasse em suas preces e em seguida falavam sobre como eu era ruim e o quanto me odiavam.
— Eu acho que me lembro – Wuxian apertou um pouco a mão que acariciava e falou baixo — Eu sai pra procurar algo pra comer, andei pelos limites da muralha com medo de esbarrar em algum conflito da guerra, ainda não havia encontrado nada quando começou a chover.
— Você estava com fome, mal conseguia andar, dava pra ouvir pessoas gritando pela guerra, a chuva transformou o lugar que você estava em barro te impedindo até mesmo de andar e mesmo assim, você não me odiou.
— Eu lembro da minha oração, pedi para que seja lá qual fosse o motivo para o seu coração estar tão atordoado, que passasse, que você ficasse bem.
— Wuxian você foi o único que levou meus sentimentos em consideração, o único que foi justo comigo.
Aquele pequeno e rápido momento, onde a justiça de um homem foi justa e terna com um deus pela primeira vez, se tornou algo enorme para Wangji que a partir de então, usou de seus dias para observar e admirar o homem.
Seus sentimentos tomaram proporções grandes demais sem que desce conta e ele só percebeu que não era mais apenas admiração, quando foi travado por amor uma possível guerra entre deuses.
Wuxian se aproximou mais do Deus até que estivesse próximo o suficiente para tomar o corpo grande em um abraço caloroso, o apertou em seus braços querendo lhe acalmar e proteger dos próprios sentimentos.
O frio se fez indiferente, entre os braços um do outro encontraram o lugar mais quente para fazer de abrigo.
Wangji não se arrependia de nada, lutaria contra deuses, mortais e qualquer outra partícula do universo que pudesse ficar contra se isso significasse que estaria nos braços de Wuxian novamente.
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Deuses não esquecem
FanfictionA paixão entre humanos e deuses é sempre uma decisão estúpida e Lan Wangji sabia muito bem disso quando decidiu competir com a morte pelo coração de Wei Wuxian. " Um dia, a sua partida vai me rasgar por inteiro e terei que usar das lembranças de seu...