Capítulo 10

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Capítulo 10

Em algum lugar por toda a manhã, enquanto o céu ainda estava azul, eu acordei com a sensação de que alguém estava me observando. Sempre foi comum, na infância, acordar e encontrar mamãe me observando do jeito que ela estava agora, ao pé da cama de um estranho. Ela parecia do jeito que ela tinha antes de morrer, suas belas feições endureceram de desapontamento enquanto ela olhava para mim.

Normalmente, quando a encontrava me observando, perguntava o que ela estava fazendo e a resposta era sempre a mesma. — Apenas imaginando com o que você sonha.

Eu sempre pensei que mamãe era meio esquisita e percebi que ser normal não era uma característica da família. Eu era o humano, fraco e idiota e que foi deixado de lado. Ela era tão maravilhosa e estranha, de seus estados constantemente mudando para a melancolia que às vezes a dominava por meses a fio. Ela me disse uma vez que eu era chato e simples e isso que ela amava em mim. Eu era um humano previsível em minha humanidade.

Eu não levei isso muito pessoalmente, porque ela era uma deusa e eu era um mero mortal agraciado com a presença dela. Acho que toda mãe é fora do comum para os filhos.

Eu sabia que não era como nas outras vezes em que acordei com ela me observando. Desta vez, ela não era real. Mesmo que eu duvidasse que eu estava totalmente acordado ainda, eu estava consciente o suficiente para saber que ela não poderia estar realmente aqui. Sentei-me e deixei cair os lençóis, e ela continuou me observando com aquela expressão serena e consciente que me lembrava que ela sabia de ... tudo. Tipo um poder onisciente das mães.

Eu nunca imaginei que havia muito mais para saber.

— Olá, Danilo — ela disse calorosamente.

— Você não está aqui.

Seus lábios se curvaram enquanto ela olhava ao redor da sala. — Não posso conseguir nada além de você — ela disse casualmente, em pé. A bainha de seu vestido rosa de algodão se acumulava ao redor de seus tornozelos enquanto caminhava para o outro lado da sala. — Você está gostando do apartamento de Estebán?

— Não estou exatamente num SPA aproveitando as férias — eu disse, saindo da cama. Uma parte de mim queria ir até ela e abraça-la, mesmo que não fosse real, e outra parte sabia que ela desapareceria se eu chegasse muito perto. — Zeca...

— Eu sei o que aconteceu — ela retrucou, virando-se para mim com um olhar de puro despeito. Era o olhar que eu estava acostumado a ver nos olhos dela, então não foi nenhuma surpresa. O que me deixou atônito foi a maneira que me encheu de saudade. Saudade só de vê-la me olhar daquele jeito uma última vez. — Você falhou, Danilo. Confiei em você com minha filha e você falhou conosco.

— Eu sei. — Minha garganta se apertou e dei outro passo em direção a ela, andando suavemente, no caso de eu despertar o eu real em algum lugar no mundo desperto. — Mas eu vou consertar isso. Eu sei que não o protegi, mas vou trazê-lo de volta.

— Você ou Estebán? — Ela cuspiu. — Eu desisti de tudo para salvar sua vida e você entregou minha filha nas mãos deles.

Eu vacilei. Mesmo nos meus malditos sonhos, eu não queria argumentar sobre isso. — Você não tem uma filha, mamãe. Pelo amor de Deus, você ainda não entende isso?

— Você é quem não entende! Você não sabe nada deste mundo. O mundo que dei a minha vida para mantê-lo fora — ela fervia, suas mãos tremendo em punhos ao seu lado. — Eu fiz você me odiar e sair de casa e depois pedi para ficar longe da Maria Fernanda. Uma Coisa. Eu pedi uma coisa de você, mas você não podia fazer isso, não é?

Eu engoli em seco. — Eu fiz o que tinha que fazer, por nós dois. Você nos deixou. Você me deixou sem a mínima ideia do que estava acontecendo, sobre como ajudá-la nisso. Depois de dez anos, você realmente não achou que eu merecia a verdade?

Morda-me (Lobos de São Paulo #01)Onde histórias criam vida. Descubra agora