Capítulo 1

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Capítulo 1

O barulho das duas pedras de gelo batendo uma na outra e no copo quando o barman derramou a bebida dentro dele, me lembrou os sinos da igreja que frequentei quando pequeno. E, nessa noite, esse copo é minha oração. Eu precisava de uma virada. Minhas contas já acumulavam por alguns meses e não tinha uma refeição decente fazia um bom tempo.

Olhei novamente para o barman, prestando atenção. – Belas asas aí nas suas costas. Cores vibrantes. – Dei mais um gole enquanto o homem atrás do balcão mostrava as presas e chiava em minha direção. Eu ri e virei observando a pista de dança. O Black Collar era um bar frequentado, em sua maioria, por lobisomens, apesar de que eu acharia meio insultante o nome se eu fosse um deles. Provavelmente, eles encaravam como uma piada interna.

É, eu nasci com essa maldição de conseguir ver seres paranormais como eles são na realidade. Sinto que sou um Constantine, mas sem o glamour dos quadrinhos ou do cinema. Claro que na adolescência a empatia foi instantânea. Só que o herói dos HQs vê anjos e demônios e eu vejo todo o resto.

Até a semana passada eu era doador de sangue para um clã de vampiros donos de uma boate gay de twinks. Deu pra pagar o fiado na padaria e fazer umas compras decentes. Mas, eles pagam mal e o constrangimento não vale a grana. Eu me sentia fazendo três serviços e sendo pago por um. Digamos que eles gostavam de "jogos de sangue". Que trocadilho de merda. Mas, essa é minha vida. Uma grande piada cósmica.

Um amigo começou a fazer programa e já tinha comprado seu próprio apartamento. Pensei... por que não? Sempre me achei atraente. Magro, mas aquele magro com as carnes firmes, saca? Tenho uma bela bunda. Cabelos castanhos avermelhados. Não sou alto nem tão baixo nos meus comuns um metro e setenta e cinco. Acho que dou pro gasto. Não tenho medo de fazer michê, minha mãe era do ramo e me criou até os dezoito anos.

O mais engraçado é que nos dias de hoje puteiro virou "sex club". Só de pensar nesse eufemismo dou gargalhadas sozinho aqui com meu uísque com gelo. Até cogitei trabalhar em uma delas. A porcentagem deixada na casa me fez pensar que trabalhar para os vampiros era melhor. Desisti. Decidi pela carreira de freelance. E se eu não agarrasse um cliente logo teria que fugir pela janela do banheiro pra não pagar a bebida.

Essas coisas não deveriam passar pela minha cabeça numa hora como essa. Mas, lembro que minha mãe é uma acompanhante de luxo e que meu pai fora um de seus clientes. Por isso, é meio familiar fazer o que estou prestes a fazer. É um trabalho. É pela grana. Enfim... quando eu fiz treze anos eu tinha duas certezas: eu gostava de meninos e minha mãe dormia com caras por dinheiro. Por ela ter uma profissão não convencional pensei que ela aceitaria isso numa boa. E quando eu saí para ela sua frieza me magoou. E eu fiz de tudo para me virar sozinho. Já que não teria seu amor e aceitação... não queria sua pena ou menosprezo.

Aos quinze anos minha mãe falou que achava melhor eu ir embora. Aparentemente, minha presença não era boa para os negócios. Felizmente, ela teve o bom senso de esperar eu atingir a maioridade. Não me orgulho de muita coisa que fiz, mas estou vivo, depois de dez anos ainda estou me virando.

Terminei minha dose de encorajol alcoólico e fui dançar. Expor a mercadoria. A noite estava começando e a pista começava a encher. Virei para o barman só para provocar. – Vou dançar um pouco. Marca na minha comanda Tinkerbell. – Andei com um sorriso por ouvir outro chiado vindo entre as presas do "fae".

Senti um par de mãos grandes e fortes na minha cintura e me animei. Rocei minha bunda no pau do cara e percebi que eu não era o único animado. Dei o melhor de mim rebolando e deslizando minhas costas no peito do desconhecido. Quando virei para dar uma olhada o cara arregalou os olhos e saiu fora. Fiquei lá. Parado. Uma raiva ferveu no meu sangue e eu voltei pro bar.

Morda-me (Lobos de São Paulo #01)Onde histórias criam vida. Descubra agora