𝟎.𝟑

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Suas mãos cobriram sua boca, tremendo. Os olhos arregalados assistiam a vida escorrer dos olhos daquele que segundos antes estava vivo. A fraqueza em suas pernas não a deixou se mover, o uso de seus poderes normalmente a levava à exaustão, mas naquele momento, o choque a mantinha acordada.

Asterin sentiu seu braço ser puxado para trás agressivamente, a levando de volta ao seu lugar, ao lado de Amarantha, que sorria para ela.

— Você entende que eu não poderia deixar aquele macho viver, não entende? — acariciou a face a garota que tremia em seu lugar, mas não mais de frio. — Ele a viu. Viu o que pode fazer, e mesmo que não o matasse agora, ele já estava condenado por seus crimes e pecados. Inevitável, meu bem.

A voz era doce e calma, não combinava com a pessoa a qual ela pertencia. Por isso, não se deixou levar. Se manteve firme, mesmo que pequenos círculos pretos já começassem a preencher sua visão. Asterin piscou repetidamente e Amarantha compreendeu, pois, depois de anos ali, ela conhecia Asterin.

— Levem-na. — ela acenou para os guardas que sobraram ali, e não para os outros que retiravam o corpo morto. — E deem uma recompensa, meu bichinho se comportou bem e me deu orgulho hoje.

No segundo seguinte ela já estava sendo levantada, e arrastada em tropeços pelo salão em direção a porta.

— Como puderam ver, meus queridos e leais súditos... — a voz da fêmea de cabelos vermelhos já se tornava distante. — Esta foi a prova de que vocês estão seguros comigo, que podem confiar em mim. Mostrei-lhes meu bem mais precioso, que salvará a todos nós a qualquer hora e qualquer momento...

No meio daquele discurso, Asterin e os guardas já dobravam o corredor, e não levou muito tempo ao sentir o corpo desabar e a vista escurecer.

•✧✧•

Quando acordou, não estava frio.

Abriu os olhos, mas estava escuro, já era noite. As pálpebras pesavam, e o corpo emitia sinais de cansaço. Como havia chegado ali? Quem havia trocado suas roupas?

Perguntas rodavam sua cabeça, indo e vindo. Mas ela não se deixou levar. Fez esforço para erguer o corpo que parecia pesar toneladas, e, ao rodar os olhos pelo quarto, o prato de porcelana branco, com uma porção de comida, que nem juntando o que recebia na semana inteira formava, foi o que chamou sua atenção. Não sabia o que estava comendo, mas estava muito bom para reclamar.

Não aguentou nem metade do prato, seu estômago não estava acostumado a quantidades grandes de comida, havia se acostumado com o pedaço de pão velho que recebia diariamente. Mas aquilo não era ruim. Sobrar não era ruim, era sinal que teria o que comer no dia seguinte e, se tivesse sorte, no próximo também.

Depois de largar o prato onde estava, voltou a se deitar, com os olhos no minúsculo buraco gradeado, que mostrava um feixe do céu noturno, mas mesmo que fosse mínimo, aquilo já era suficiente.

Quando era livre, Asterin adorava o dia, aproveitava desde quando o sol nascia, até o momento que ele se punha. Mas com a noite... ah, com a noite era diferente. Costumava deitar na grama úmida pelo sereno, apenas para olhar o céu e contar as estrelas. Não deixava também de realizar desejos e pedidos, além de desabafos. A noite era sua maior amiga e confidente, sabia de segredos que ninguém sabia, que talvez nem Asterin soubesse mais. Já havia passado tanto tempo...

Ela tinha 13 anos quando foi achada. Não passava de uma garotinha inocente, de vestidos rodados e enfeites de laços na cabeça. Estava brincando na floresta de sua casa de inverno.

Aberração...
Monstro...
Besta...

"Estava brincando na floresta de sua casa de inverno, quando avistou uma mancha vermelha no meio do imenso manto branco que cobria todo o chão. Aproximou-se em passos lentos, porém firmes, mas ainda sim medrosos. Um coelho branco estava no chão, com perfurações em seu corpo pequenino, marcas de talvez algum animal de caça. A garotinha se ajoelhou ali, mesmo que os joelhos queimassem com o contato direto com a neve, pegou o bichinho em seus braços e começou à ninar, balançando levemente de um lado para o outro, na expectativa de tentar amenizar a passagem do pobre animal deste mundo para o outro. Ela não esperava estar sendo vigiada, muito menos perseguida. A história de uma garota que curava machucados percorria a vila a qual morava, a tornando um alvo. Um alvo fácil."

Seis anos depois aqui estava Asterin, na mesma cela desde que chegara, submetida ao prazeres e vontades de sua Rainha. Punida e torturada quando tentava fugir pelos portões de carga, quando conseguia despistar soldados. Aqui estava ela, sem esperanças. Aqui estava ela, apodrecendo. Aqui estava ela, no meio do caos.

Apenas percebeu que estava chorando quando sentiu o gosto salgado de suas lágrimas, e se sentou, com a cabeça erguida para a janelinha, olhando para as estrelas com sofrimento.

Me atende

Me atende

Me atende

Ela pedia, com tudo que tinha, com toda sua alma, essência e poder, barganhando qualquer coisa, oferecendo tudo em troca de sua liberdade.

Naquela noite as estrelas brilharam mais forte.

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𝐂𝐨𝐫𝐭𝐞 𝐝𝐞 𝐋𝐚𝐜̧𝐨𝐬 𝐞 𝐌𝐞𝐦𝐨́𝐫𝐢𝐚𝐬 Onde histórias criam vida. Descubra agora