M E R D I C E S

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FALTANDO POUCOS DIAS PARA O breve recesso acadêmico de final de ano, Erina e eu combinamos de nos encontrarmos num bar à noite para que eu pudesse contar, desta vez, tudo o que acontecia comigo.

Quando ela me contou que soube por Joseph, temi o que meu querido irmão do meio tivesse dito e garanti à ela que não aconteceu nada demais.

Chegamos ao estabelecimento; sua fachada, com tijolos pintados de preto e uma placa em neon escrita "Iggy's Sandy Pub" era mais que suficiente para chamar a atenção.

Dentro, embora fosse inusitado, não havia areia espalhada pelo chão como ouvimos o pessoal comentando na entrada. Mas o que não faltava eram quadros pendurados de um cachorro, que dava o nome ao bar, em meio ao deserto.

Não fazia ideia que o pub ficava tão próximo do campus, foi como ter surgido do nada, pra mim.

Conseguimos uma mesa de dois assentos e nos acomodamos.

— Joseph 'tava preocupado quando veio me perguntar sobre seu novo amigo, Jonathan. Num instante, ele contou o que viu e o que sabia. – Erina analisava o cardápio, casualmente.

— O que não entendo é você estar tão... quero dizer, não que minha sexualidade, da qual, a propósito, eu não faço ideia, devesse te incomodar, mas, diferente dos meus irmãos, você está... indiferente.

Como a resposta dela demorou, me aventurei a olhar o cardápio, mesmo não podendo beber bebidas alcoólicas por motivos óbvios – não estava completamente recuperado do ombro e ainda tomava os remédios –, não me impediu de avaliar os bons e criativos nomes de alguns drinks da casa.

"Vanilla Ice"; drink com essência de baunilha, whisky, água com gás e pedras de gelo com formatos de coração com um buraco no meio deles.

"Mariah's Bastet"; drink com suco de limão, tangerina e maracujá, cachaça, sorbet de cajá e pitaya.

E "Pet Shop"; drink com café expresso, creme de cacau com castanha do Pará e doce de bananinha e cachaça, com pedras de gelo em formados de estacas.

Quase me distrai imaginado o gosto das bebidas. E, então, Erina falou sem rodeios:

— Nunca comentei nada pelo simples fato de não ser da minha conta, isso deveria partir de você. Mas... – Largou o cardápio na mesa e olhou no fundo dos meus olhos. — Algo me dizia, quando nos conhecemos, que você não era hétero, então, eu não ficaria surpresa se você começasse a namorar um cara. Fiquei apenas preocupada quando você se fechou em sua concha. Cheguei a pensar que estivesse em conflito interno e, por isso, não quisesse mais se relacionar. Pelo jeito, você entrou em conflito agora que Dio apareceu.

Fiquei surpreso com aquela informação. A música que tocava não estava alta, mas senti a necessidade de falar mais perto dela.

— Eu sequer me importava com a minha sexualidade antes, porque acreditava estar bem estabelecida. Não sei o que aconteceu... mas acabei achando... Dio atraente... de uma maneira que não achava as outras pessoas. Foi isso. Mas como você percebeu que eu não era hétero quando nem eu mesmo sabia?

Ela suspirou e segurou na minha mão.

— Você não me olhava com desejo ardente de tesão, Jonathan. Era sempre suavidade comigo, sobrava amor, mas faltava paixão, sabe? Mas não posso te condenar por não gostar da fruta.

Eu fiquei desnorteado, tinha uma visão completamente diferente do nosso relacionamento. Não pensei que a falta de paixão pudesse dizer tanta coisa.

— Então... eu sou gay.

Achei que seria mais difícil admitir. Porém, Erina não esboçou qualquer reação.

— Já ficou de pau duro pensando em homem? – Com a demora de minha resposta, ela concluiu seu pensamento: — Parabéns, meu amor, você definitivamente é do vale!

Tormenta [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora