B O M • S A M A R I T A N O

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COMO APENAS UM OLHAR CONSEGUE causar a sensação de exposição involuntária? Aqueles olhos pareciam obter o poder de ler a alma de qualquer um e despi-la sem a mínima dificuldade.

Senti-me acuado e desviei os meus para o prato de cookies, fingindo interesse na comida embora eu estivesse saciado.

Ainda assim, seu olhar penetrante queimava sobre minha pele como uma lupa sobre uma formiga num dia ensolarado.

Foi um alívio quando Erina chamou a atenção do "convidado inesperado".

— Nos conhecemos por aí... não é, Dio? – Ela deu um riso sem graça pela vaga resposta dada, logo mudando de assunto. — E como está Diego? Soube o que aconteceu...

— Ele está bem e vou sobreviver – ele respondeu com desinteresse, voltando-se para ela. — Quem é esse cara?

Engoli em seco.

Olhei de soslaio para o sujeito de postura indisciplinada mas imponente, que apontava o polegar em minha direção enquanto eu desejava não ser o assunto da mesa.

Porém, de tão bêbado que estava na noite anterior, é certo supor que Dio não se lembrava do que acontecera, portanto, seria praticamente inevitável não falar sobre.

Abri e fechei a boca várias vezes; pretendia respondê-lo de forma sucinta, mas desconhecia a razão de estar tão afetado na sua presença, que desisti.

Talvez não quisesse me sentir tão exposto, outra vez, sob aquele olhar fuzilante.

Aquilo havia sido desagradável de certa forma. Senti-me como alvo de um psicopata.

Erina tratou de me apresentar, ao presenciar a tentativa falha de comunicação de minha parte.

— Jonathan é um amigo meu, um dos melhores, inclusive. E... – Sabia o que diria. Sinalei com um gesto rápido para que ela não tocasse no assunto. Mas assisti Erina revirar os olhos enquanto Dio virou o rosto para mim, outra vez. Para disfarçar, eu fingi coçar o queixo. Ela continuou: — Foi ele que te ajudou na sua presepada de ontem.

Dio arqueou a sobrancelha do olho ileso, me avaliando e, como antes, me senti encurralado com aquele olhar.

Limpei casualmente com o punho uma gota de suor que escorreu em minha têmpora. Queria ter certeza que foi o chocolate quente que me deixou com calor.

Contudo, precisava evitar aquele desconforto e "ir embora" sempre seria uma opção, bastava inventar qualquer compromisso imaginário para sair dali, mas este não seria Jonathan Joestar, não seria eu.

Compostura, homem!

Por essa razão, preferi agir como se lidasse com empresários excêntricos em reuniões no museu.

Sorri cordialmente, mantendo a respiração cadenciada e disse com firmeza:

— Prazer em conhecê-lo, espero que se recupere logo. – Pronto, podemos mudar de assunto...? Segundos depois, me senti meio bobo por estar tão incomodado com isso.

— Então, você me levou ao hospital. – Soou como afirmação, embora não houvesse sequer a intenção de agradecimento.

— Não, mas chamei a ambulância que o levou.

Ele apoiou o antebraço na mesa, aproximando seu rosto sisudo para perto do meu, como se quisesse conspirar.

Franzi o nariz para o seu cheiro mesclado de suor e cigarro que invadiu minhas narinas.

— E o que você acha que fez? – Dio me inquiriu, deixando-me confuso.

Erina interveio:

— Ele te ajudou, Dio! Você foi chutado por uns malucos metidos a "deuses do rock" enquanto estava completamente alcoolizado! – Ela não escondeu a repreensão no tom de voz. — Não acha que deve ao menos um obrigado pra ele?

Tormenta [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora