1-Jeito de superar a ex-namorada

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Desempregada.

Dobrei meu braço ao lado do teclado e apoiei a testa na dobra do cotovelo.

Eu estava exausta.

Não era sequer uma exaustão física, era apenas uma desistência mental, filosófica e espiritual.
Nunca estive desempregada daquele modo antes. Até então, todos os momentos da minha vida em que havia precisado de um emprego tinham sido normais. Eu saía do emprego anterior por causa de uma proposta melhor ou pela ambição pessoal de acreditar que merecia uma proposta melhor. E nunca estive enganada.

Estive no meu emprego anterior nos últimos dois anos, antes de ser sumariamente demitida por “má conduta profissional”.

Claro que meus empregadores não eram imbecis cruéis, incapazes de compreender que eu fugi da cidade quatro meses atrás porque corria risco de ser assassinada por um chefe do crime organizado. Essa parte eles seriam perfeitamente capazes de compreender.

Era a versão oficial dos fatos que eles tinham problemas em aceitar.

Expirei longamente, sentindo meu corpo inteiro doer. Fiquei horas e horas na internet, enviei currículos, agendei entrevistas… apenas para descobrir uma inevitável verdade: eu não ia conseguir um emprego tão cedo.

Para conseguir voltar à minha vida normal e honrar o acordo que fizera com o agente Zahner para manter Yuri Kulik bem longe de mim, precisei mentir para todas as pessoas ao meu redor, apresentando–lhes uma nova versão dos fatos e uma justificativa plausível para o meu desaparecimento.

O problema recorrente, no entanto, é que o “plausível”, no meu caso, não inspirava qualquer tipo de simpatia aos meus empregadores, antigos e eventuais.

Eu tinha deixado de ser a garota corajosa que enfrentou a máfia russa, colaborou com uma investigação policial e tirou a roupa para salvar uma boate às vésperas da falência para me tornar a garota maluca com um severo grau de ansiedade generalizada que, em um ataque de pânico, tinha abandonado emprego, família e amigos, sem qualquer explicação ou adeus, para fugir por algumas semanas com um gigolô que lhe tirara a virgindade, em umas férias não planejadas.

A nova versão oficial dos acontecimentos trazia até fotos, especialmente preparadas, minhas e de Devon em um barco qualquer. “Navegando para o horizonte em um iate com um deus do sexo para esquecer as mazelas da minha vida.”

Essa era a resposta que, com palavras mais rebuscadas e educadas, eu era obrigada a fornecer em entrevistas de emprego sempre que me era feita a pergunta de “E por que abandonou seu emprego anterior?”.

É… Eu não ia conseguir um emprego tão cedo. E era melhor me conformar com isso.

– É por isso que não arranja emprego, sua preguiçosa! – Monique estava em nosso apartamento há dois segundos e eu já queria matá-la. – Fica cochilando quando deveria estar procurando o que fazer. – recriminou.

Eu empurrei para o lado a caixa com meus documentos, certificados, diplomas e currículos, só para encará-la.

– Quem te deu a chave? – resmunguei.

– E quem precisa de chave? A fechadura dessa porta está frouxa. Já disse a vocês que isso é um perigo. Mas como estou lidando com a Lili preguiçosa e a Madelaine desmiolada, acho que vocês nunca vão resolver esse problema.

– O que você quer, Mon? – Mads surgiu do seu quarto para me resgatar. – Não incomode a Lili, ela está muito estressada.

Monique me irritava, sem dúvidas. Mas acho que eu preferia a sua agressividade ao zelo excessivo de Mads. Minha melhor amiga tinha ficado verdadeiramente preocupada com meu desaparecimento e, então, com a descoberta do meu surto mental. Ela sabia que esse tipo de fuga não condizia com minha personalidade e para que eu tivesse recorrido a uma solução desse porte eu deveria estar bem afetada.

ꨄ︎ 𝐒𝐄𝐌 𝐏𝐔𝐃𝐎𝐑 ˢᵖʳᵒᵘˢᵉʰᵃʳᵗ (𝒔𝒆𝒎 𝒗𝒆𝒓𝒈𝒐𝒏𝒉𝒂 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora