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ASTRID MCCARTNEY 

Trabalhar com crianças com certeza não era uma tarefa fácil, afinal, elas sempre tem uma pergunta na ponta da língua, esperando apenas uma oportunidade para fazê-la e deixar qualquer um sem respostas. Além disso, a sinceridade e a persuasão, também vinha no pacote,deixando a tarefa de educar ainda mais difícil. 

Esse era meu trabalho a mais de dois anos,quando me formei em pedagogia e assumi o papel de preparar pequenos seres humanos para o ensino fundamental. Não era um trabalho fácil, mas eu me divertia muito com as crianças. Talvez eu estava alimentando a vontade de me tornar mãe em algum momento da minha vida. 
Desde que comecei meu trabalho, passei por várias situações engraçadas e constrangedoras. Se eu colocasse no papel todas as perguntas que já tinha recebido dos meus alunos eu passaria o dia todo falando. As perguntas variam nos assuntos, mas principalmente sobre minha vida amorosa — que não existia.

Eu nao tinha um relacionamento, demorei muito para colocar em minha cabeça que o amor não era para mim, porque por mais que eu procurasse por um cara perfeito, meu dedo podre indicava para um idiota qualquer. Sempre imaginei que um dia teria o amor que meus pais tinham, mas a realidade parecia mostrar-me o contrário. Então por ver das dúvidas seria mais fácil e menos estressante ficar sozinha do que mal acompanhada.

— Professora! — ouvi a voz doce de Clara me chamar.

A garotinha de olhos castanhos e grandes, cabelo preto e liso, cortado em chanel aproximou de minha mesa, carregando a folha branca que eu tinha entregado para todos os alunos fazerem a atividade que eu tinha pedido.

— Oi, Clarinha! — estiquei meus lábios em sua direção, dando um sorriso carinhoso.

A menininha era uma graça, sempre foi bem comportada, nunca fez qualquer tipo de estripulia e tinha boas notas, além de ser um amor de menina.

— Você não vai escrever uma carta? — sua pergunta me pegou de surpresa.

Abri a boca para responder que não, mas não o fiz. Clara emendou, antes que eu pudesse dizer algo:

— Todo mundo está escrevendo uma cartinha para o Papai Noel, então acho que você também deveria escrever uma. — ela deu um sorriso esperto.

— Minha fase de escrever cartinha para o Papai Noel já passou, querida. — expliquei, com um sorriso nos lábios. — Deixei de ser criança a muito tempo. — justifiquei. — Papai Noel não sabe nem que eu existo mais. 

— Claro que não, professora. — exclamou sisuda. — Todo mundo do mundo pode escrever uma cartinha para o Papai Noel. — Papai Noel gosta dos adultos também. — sacudi a cabeça.

Apertei os lábios, sabendo que discutir com uma criança, nao seria uma boa ideia, ainda mais clara, que me venceria na persuasão. 

— E você já escreveu? — cruzei os braços sobre o peito.

Ela deu um risinho sapeca.

— Não. — mostrou a folha em branco. — Estou esperando você para escrever. — balancei a cabeça, não acreditando que uma criança fazia aquilo comigo.

— Você não vai desistir, não é mocinha? — chacoalhou a cabeça em negação, enquanto tinha um sorriso nos lábios. 

Vencida, abri a pasta verde, onde havia guardado as folhas em branco e tirei mais uma, buscando uma caneta dentro do estojo, pronta para escrever uma carta ridícula para o Papai Noel.

— Posso me sentar aqui? — Clara perguntou apontando para o lado da mesa.

Balancei a cabeça em concordância e em segundos, a garota voltou com sua cadeira, posicionado-a ao meu lado para sentar-se.

— O que você vai pedir, mocinha? — perguntei a ela.

— Não posso contar, professora. — exclamou astuta. — Se não o Papai Noel não traz o presente. — balancei a cabeça e sorri.

A magia da infância nunca poderia ser modificada. Os problemas que rondavam a vida adulta, quando vistos por uma criança, ganhavam outra resolução. Eles eram capazes de dar uma solução que aparentava ser fácil de ser concluída e somente por isso, deixava os problemas um pouco mais leves, mesmo que fossem um peso sobre os ombros. Para as crianças não existe nada difícil.

As crenças em figuras fantasiosas, extrapolavam o controle dos pais; coelho da páscoa e Papai Noel, usadas como marketing, para eles eram grandes ídolos, mesmo com o acesso às tecnologias que desmentiam a veracidade de tais.

Encarei o papel em branco, mordendo o canto interior da bochecha, pensando o que eu escreveria. Cogitei em pedir coisas materiais, no entanto, até ali eu tinha tudo o que precisava. 

Sem saber o que escrever, deixei meus pensamentos fluírem, vasculhando algo em minha mente que eu pudesse pedir, mas tudo estava caminhando como eu gostaria; um bom trabalho, uma família legal e carinhosa e uma vida razoável.

No entanto, meu coração me traiu. Senti meu órgão acelerar dentro do peito, como se fosse escapulir pela minha boca. Puxei a respiração e tentei controlar o fôlego.

Eu não tinha um  namorado. O pensamento passou por mim, chacoalhando minha cabeça. Por mais que eu lutasse para não pensar sobre isso, aquilo me atormentava. Praguejei-me mentalmente por pensar em pedir um namorado, afinal além de decadente, aquilo seria ridículo já que o pedido nunca se realizaria.

— Você não sabe o que pedir, professora? — Clara moveu seus olhos para mim.

Sorri em direção a ela.

— Sei sim, Clara. — passei a mão sobre os fios de cabelo dela.

A garota voltou a escrever sua cartinha, enquanto eu iniciava aquela idiotice de carta.

Não levaria a nada e nem se realizaria, mas serviria para que eu entendesse o quão exigente eu era em relação a um homem.

Iniciei a carta, dizendo o quão ridículo era minha vida amorosa. Divaguei superficialmente sobre meus namoros, explicando como começaram e como terminavam. Sempre fui a mais maltratada, acarretando em um coração partido.

Declarei o meu ódio tremendo por clichês tão perfeitos, porque todos aconteciam dentro de ficções produzidas pela Netflix, sem a menor chance de ser real, mas que eu não me cansava de assistir.

Expus meus medos e meus traumas. Como certeza se o Papai Noel fosse real e lesse a carta, ele iria sugerir passar por cima de mim com o trenó. Talvez não fosse má ideia.

Então cheguei na parte do pedido. Fiz exigência por um homem bonito, que fosse tão belo quanto o Leonardo DiCaprio, se fosse o próprio, eu não iria reclamar. Enumerei uma série de qualidades, desde gentil até amoroso, que não fosse um tremendo idiota e que me fizesse surpresas eme dias normais. Também pedi que ele fosse muito apaixonado, assim como o Ryan Reynolds era pela Blake Lively, eles eram uma belo casal.

Relembrei novamente que o homem precisava ser bonito, porque eu precisava fazer inveja em minhas primas nas festas de família. Àquela altura, eu já acreditava que o Papai Noel fosse realizar meu pedido. 

Para finalizar, fiz um agradecimento pelo espaço dado, desculpando-me por ter sido muito detalhista e expositiva demais. Com certeza o bom velhinho iria ter pena de mim.

— Já acabei, professora. — Clara anunciou. — Nossa, sua carta ficou enorme. — seus olhos saltaram assustados, assim que olhou para a folha.

Dei um sorriso sem graça, observando o papel preenchido frente e verso. Era uma exposição desnecessária e boba, mas era o que eu desejava do fundo do meu coração.

— Será que o Papai Noel vai realizar meu pedido? — indaguei para ela.

Clara sorriu genuinamente.

— Sim. — sua resposta saiu firme. — Você é uma boa menina, então ele vai realizar. — ela pegou sua folha e sua cadeira, voltando para seu lugar.

Sorri, vendo a se afastar., enquanto guardava a carta ridícula que escrevi dentro da pasta.

MAGICAL CHRISTMASOnde histórias criam vida. Descubra agora