Um mês atrás

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Era uma manhã ensolarada de sexta, e feriado, portanto não tinha aula a tarde. Eu ainda dormia quando meu celular tocou em baixo do meu travesseiro. Eu costumava esquecer ele ali em baixo todas as vezes que ia dormir tarde conversando no WhatsApp com Liza. Lisandre estava me ligando.

-Alô? - falou do outro lado da linha. - Está acordada?

-Graças a você, sim, estou. - falei emburrada.

Lisandre estudava na mesma escola que eu. Começamos a nos falar depois que eu virei representante de classe com unanimidade de votos. Ele era só mais um bagunceiro da minha turma, que por acaso, sempre me pedia filas nas provas bimestrais ou ajuda para as atividades, e ele é só um ano mais velho que eu.

-Não fala assim. - disse gargalhando. - Você sabe que eu gosto de você.

-Você gosta de me irritar. - retruquei

-Não, sua idiota, eu gosto de você de verdade. Eu já te falei isso. - respondeu. - Mas, irritar é uma das coisas que já nasce com você. Não é mesmo?

Sim, ele havia dito que estava gostando de mim há alguns dias atrás... mas, ele é tão incrivelmente bonito que pensei em ser uma brincadeira de mal gosto ou uma aposta perdida. No fim das contas, acabamos nos beijando sem querer querendo enquanto nos despedimos um quarteirão antes do meu condomínio. Bem no fundo eu também gostava dele.

-Por que você não diz logo o que quer e me deixa dormir? - repreendi.

-Eu estava pensando, o dia está tão lindo... podemos dar uma volta na praça? - despejou. Uma parte de mim saltitou, a outra, me fez ser dura na resposta.

-Você me acorda para ir na praça?

-É.

-Poxa Lisandre, podia ter ligado mais tarde né? Enfim, Marie me chamou para sair com ela... para a praça também. - fiz uma pausa. Ele ouvia atentamente do outro lado da linha. - Nos vemos lá. Quatro e meia da tarde. Não se atrase.

-Okay. Não esquece que você é linda, e que eu gosto muuuuuito de você.

-Tchau, Lisandre - falei e desliguei o celular.

                                 **
As quatro da tarde me encontrei com Marie na praça. Eu usava um vestido amarelo de flores, que combinava com meu tom de pele moreno. O meu cabelo estava solto sobre os ombros fazendo degradê na minha pele. Marie estava com uma saia azul e a blusa branca. Marie tinha os olhos tempestuosos e os cabelos esvoaçantes da cor de mel. Ela estava linda.

-Já, já o Lisandre chega. - informei quando vi que eram quatro e vinte e cinco no relógio do celular.

-Está brincando né? Não acredito que você o chamou para vim com a gente. - reclamou.

-Era com você, ou sozinha. - ela me olhou muito, muito, mais muito feio mesmo. - Ta, eu sei que você não gosta dele, mas... por favor, vai?

-Só hoje. Nem pense em por aquele pestinha perto de mim novamente.

Marie não o suportava. Eles estudaram juntos no jardim de infância, e Lisandre não era a criança mais calma de lá.

-Ele pôs chicletes no meu cabelo, fralda suja de cocô na minha bolsa... e... - interrompi.

-Deixe o passado no passado, Marie.

Ela se calou. Alguns minutos depois de termos mudado de assunto, Lisandre chegou e se juntou a nós sentando na grama recém cortada. Ele cumprimentou Marie com a cabeça e me deu um beijo perto do canto da boca.

-Para que queria tanto sair comigo? - perguntei depois de uma longa e forçada socialização entre ele e Marie.

-E depois, se quiser ir embora... sinta-se a vontade. - falou Marie de mal humor.

-Um momento. - fez sinal com o indicador. Se levantou do chão e ficou em pé na minha frente. Eu e Marie nos entreolhavamos. - Pronto. Pode ficar de pé também, Lau?

-Ah. - respondi me levantando quase instantâneamente. Me surpreendi com a minha velocidade. - Pronto? - ele fez que sim com a cabeça.

-Laura Obey... - se ajoelhou como se fosse me pedir em casamento e tirou uma caixinha do bolso. - Você quer namorar comigo? - abriu a caixinha e tinha um anel.

Se ele falou alguma coisa depois do namorar comigo, eu com certeza não ouvi. Me abobalhei. Senti meu coração pulsar mais forte, fiquei alegre que podia cantar (não, eu não canto bem), pular, agarrar ele ali mesmo... Calma, você não está desesperada. Falei para mim. Mas, ele é tão lindo... Suspirei. Não tinha percebido que ainda estava calada, até Marie cutucar a minha perna e falar comigo.

-Lau? Qual o problema com você? Se não quiser... é só dizer não! - sugeriu.

-NÃO! - gritei e vi que ainda olhava para Lisandre e a reposta que dei a Marie, aparentava ter sido para ele. - Quer dizer... Não, Marie.

-Então você quer ser minha namorada? Isso foi um sim?

-Sim! Eu quero ser sua namorada. Sim! Sim! Sim!

Ele jogou a caixinha do anel em cima de Marie, me ergueu no ar. Senti a alegria transbordar. O cabelo preto de Lisandre brilhava com o sol frio de fim da tarde. Seus olhos brilhavam igualmente, mas, calorosos. Eu me sentia uma criança. Ele me devolveu a realidade de pisar no chão, e passou uma mão na minha nuca e a outra na minha cintura. Me puxou para perto do seu corpo, tudo nele se encaixava tão bem... passei meus braços em torno do seu pescoço. Nossos rostos estavam bem próximos, e nossa respiração ofegante se misturava.

-Vou te beijar. - anunciou enquanto tirava uma mecha de cabelo que caia sobre meus olhos.

-Achei que nunca fosse dizer isso. - declarei.

                               **

Uma semana e alguns dias depois, Lisandre entrou em uma confusão com um garoto do primeiro ano do ensino médio e foi suspenso. Quando ele retornava para sala e pegar a bolsa, decidiu que quebrar o bebedouro não era uma coisa tão grave. Infelizmente o diretor não pensou assim. Chamou a mãe dele e o transferiu para outra escola.

-Seu idiota. Agora vou ter que ficar longe de você. - reclamei.

-Calma, eu sempre dou um jeito. Afinal, eu sou Lisandre: o cara mais sortudo dessa escola.

Tempos ConfusosOnde histórias criam vida. Descubra agora