Capítulo 2

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Luiza e eu costumávamos brincar que se no Brasil tivesse o futebol americano, Rayele seria uma ótima jogadora. Rayele, Liza, Hannah e Luiza eram minhas melhores amigas. Sempre fazíamos os trabalhos em grupos juntas. Tínhamos o tipo de amizade e popularidade que algumas meninas deixavam na cara que odiavam. Eu não gostava do título de popular, e nem sei porque o tinha.

-Então. Já pode me soltar. - falei quase sem fôlego do abraço. Ela me soltou e deu uma risada estranha como sempre. - Obrigada e boa tarde para você também.

-Vem. - me puxou para perto dos meninos. - Escuta isso. Eles estavam na quadra...

-O que tem na quadra? - interrompi.

-Calma, eu vou chegar nessa parte. Continuando, eles estavam na quadra. - foi interrompida por uma risada de Lucas. Olhamos juntos para ele tentando entender o motivo. - Nada legal isso, Lucas. Agora cale a boca, quero continuar a história.

-Ui. Ela está estressada e mandou ele calar a boca. - Paulo provocou levantando as mão para o alto. Lucas riu mais ainda e eu, também.

-Meu Deus como vocês são chatos! - reclamou e saiu da sala em passos largos e pesados, típicos de quando ela se chateava.

Tentei me recompor no ocorrido. Keith me olhava feio do outro lado da sala.

-Vou atrás dela. E vocês tratem de pedir desculpas a ela quando a gente voltar.

Eles me olharam e voltaram a rir. Talvez eu tenha soado um pouco patética. Sai da sala atrás dela. Ela não estava tão longe. Rayele tinha os cabelos longos e loiros natural, um pouco mais alta que eu, e mesmo corpo físico magro e atlético que eu. Ela tinha uma mente de criança, as vezes birrenta outras engraçada. Costumava fazer pegadinhas com todo mundo, adorava se meter em encrencas. Quando eu estava ficava triste, sempre ia procurar ela sem pensar duas vezes. Muitas vezes acabava pagando um mico ou outro na frente da escola, como por exemplo ficar com a boca toda azul o resto do dia ou sair gritando com um inseto no cabelo (a maioria era de borracha, mas mesmo assim me causava pânico), e era nesses momentos que eu queria esganá-la.

Ela havia parado de andar. E eu estava bem próxima dela agora.

-O que uma moça tão bonita está fazendo só, nesse corredor vazio? - brinquei.

Ela me olhou como quem diz: "Sai de perto, senão ponho um bicho bem maior no seu cabelo da próxima vez." Mas mesmo assim respondeu.

-Você chegou atrasada. - forçou um sorriso.

-Mas não tinha ninguém na sala. - a encarei. - Quer me falar o porquê?

-Vem, vamos sair do corredor. Pelo que viu, somos apenas nós fora da quadra e da sala. - dessa vez riu de verdade.

Entramos no banheiro. Rayele tirou o celular do bolso da calça jeans, se encostou ao lado do enorme espelho chumbado na parede. Enquanto eu me olhava no espelho, ela me contou o que aconteceu. "Hoje decidiram que os alunos iriam cantar o hino no Brasil, e depois recitar alguns versos da independência." Falou breve.

-Por que vocês estavam rindo?

-Ah. - começou a rir. - É que colocaram um garoto da sexta série para cantar o hino no microfone, e ele errou a letra.

-O que tem de tão engraçado nisso? - tirei os olhos do espelho para poder entender.

-Não estávamos rindo dele. - começou a rir. - Você tinha que ver o desespero do diretor para que substituíssem ele.

-Coitado. Dos dois. - respondi sem vontade de rir.

Ela não ligou para o que eu disse e continuou a rir. Não conseguia imaginar o diretor agindo desesperadamente, mas, poderia claramente imaginar o garoto cantando errado. Mandei pêsames ao garoto com o pensamento (eu sabia que ele não iria ficar sabendo da mensagem, mas mesmo assim), ele seria alvo de brincadeiras maldosas por muito tempo. Rayele ria como louca, segurando a barriga e tossindo de vez em quando. A risada dela se afetava a cada crise de riso, e ficava cada vez mais assustadora.

-Tenho duas perguntas. Espero que eu não atrapalhe sua risada. - falei ríspida - Que horas você acha que acaba essa cerimonia, e quando você vai parar de rir?

-Tal. Vez. As. Uma. E. Vinte. Da. Tarde. - falou pausadamente. - Eu. Não. Sei. Mas. Foi engraçado. - concluiu e riu mais alto.

-Então quando parar de rir, me procura na biblioteca. Sabe o quanto eu odeio estar com alguém que não liga para a minha presença.

Me olhei uma última vez no espelho e saí, deixando Rayele e suas risadas fazendo eco dentro do banheiro. Não entendia como ela conseguia passar tanto tempo rindo da mesma coisa. De perto da biblioteca ainda dava para ouvir ela fazendo cosplay de uma foca engasgada (quando eu digo isso, é porque a risada dela já passou do nível "minha risada é terrível" para o nível "quero parar de rir, mas estou engasgada tentando falar e lembrando de uma coisa engraçada").

-Laura! Espera. - gritou.

Continuei a andar. A porta da biblioteca estava fechada, mas mesmo assim entrei e fechei a porta atrás de mim. Olhei ao redor, as mesas estavam quase todas ocupadas por alunos que conseguiram fugir da quadra. Procurei Marcus - o bibliotecário - ele sempre brinca comigo. Marcus era um aluno voluntário, ele estudava o segundo ano do ensino médio no período da manhã e à tarde ficava na biblioteca organizando os livros pelo nome.  Ele estava na estante de literatura estrangeira, aparentemente lendo algum livro.

-Boa tarde, Marcus. - cumprimentei ao chegar perto dele.

-Pra você também querida Hazel. - falou com um sorriso doce.

-Hazel? - perguntei. - Mais um personagem que se parece comigo? Acertei?

-Poxa, você nem me deixou fazer mistério. - respondeu enquanto pegava outro livro. - Sim, ela parece muito com você.

-Qual livro dessa vez? - falei rindo. Dando um palpite sobre Marcus, acho que ele já leu oitenta por cento daquela biblioteca. Toda semana eu parecia com alguém (não fisicamente, é claro. Pelo menos ele nunca me disse que era fisicamente)

-Um momento senhorita Levesque. - riu. - Antes que você me corrija, eu sei que seu sobrenome é Obey. - eu ri com o comentário. - Achei! - falou contente e me entregou o livro.

-O filho de Netuno? Esse é o tal livro? - perguntei com sarcasmo enquanto folheava o livro. - Então, Netuno é um deus, certo? - ele fez que sim com a cabeça. - E essa tal de Hegel...

-Hazel. - me corrigiu. - Ela é filha de um deus romano. O deus das riquezas. - levantei os olhos do livro para ver qual era a expressão dele. Ele me olhava com curiosidade. - Ela é a sua cara.

-Imagino. - fechei o livro.

-Sério. Ela é morena, tem os olhos castanhos, cabelo cacheado... - revirei os olhos com a parte do cabelo. - O cabelo é a única diferença. Juro. - rimos juntos.

-Okay. Vou ler. - me dirigi a uma das mesas.

-É uma saga... Heróis do Olimpo. Esse aqui vem antes desse ai. - me entregou o livro "certo". - Boa leitura, espero que goste... Como todos os que eu indico a você.

Eu ia fazer um comentário sobre:" Como todos os que eu indico a você". Mas eu, como todo mundo que estava na biblioteca, tomamos um susto com o barulho da porta aberta com violência.

-Lau!? - Rayele gritou meu pior apelido quando entrou na biblioteca.

Não acredito que ela fez isso. É totalmente contra as regras fazer barulho em qualquer biblioteca e eu particularmente detesto desobedecer regras bobas. Todos olharam para ela assustados. Olhei para Marcus. "Boa sorte." Disse ele mexendo os lábios sem soltar sons. Rayele vinha na minha direção segurando o riso todos ainda olhavam para ela, e consequentemente, para mim também. Dei as costas, me sentei e comecei a ler o livro.

-Lau? - ela sentou na minha frente - Lau... fala comigo. Eu não vou mais rir. - eu fingia não ouvir.

Rayele detestava quando alguém não a escutava. Eu não levantei a cabeça do livro, mas, com certeza ainda nos lançavam olhares de reprovação.

-Laura Obey! - elevou a voz. Fui obrigada a olhar para ela, caso contrário, seríamos removidas da biblioteca. - Melhor assim.

-Melhor falar baixo. - repreendi.

-Que seja. Desculpa, okay? - piscou seu olho cinza claro para mim.


-Okay sua alemã chata. - rimos baixo.

Tempos ConfusosOnde histórias criam vida. Descubra agora