Capítulo 1

273 15 3
                                    

Não sou do tipo de pessoa que todos dizem que é um anjinho ou um doce, mas normalmente agrado algumas pessoas que não pegam no meu pé. Me chamo Laura Obey e estudo no ginásio Toldor. Moro perto do Recife, uma cidade desenvolvida, alegre e cheia de gente. Uns dizem que na época dos colonizadores portugueses (quando descobriram o Brasil e blá, blá, blá), eles colonizaram a cidade de Olinda que fica a uma hora do Recife, e São Vicente, que fica a duas horas de onde eu moro, mas isso não importa. Tenho catorze anos e moro com meus pais, não tenho um bom relacionamento em especial com meu pai... geralmente esqueço como é conversar com ele sem brigar. Minhas aulas começam as uma da tarde, e eu moro tecnicamente longe da escola. Hoje acordei com o som do despertador mas, dormi de novo. Algum tempo depois, o sol entrou pela janela do meu quarto (alguém abriu a cortina) ameaçando me torrar, ali mesmo de pijama, então olhei o relógio do celular.

-Meu Deus, como eu estou atrasada! – disse para mim mesma enquanto pulava da cama.

Saí aos tombos até o guarda-roupa, peguei o uniforme da escola e a calça jeans surrada. No caminho até o banheiro, tropecei em meus pés, no sapato, e nas roupas que derrubei durante a correria. Quando saí do banho, senti o cheiro da magnifica comida da minha mãe. Inspirei todo o aroma pelo nariz, meu estomago roncou. Fui terminar de me arrumar no quarto. Troquei de roupa. Sentei na cadeira do computador, calcei a meia e os sapatos.

-O almoço está na mesa. – informou a minha mãe. Eu não havia percebido sua presença no meu quarto desde então. – Está atrasada... muito atrasada.

Eu ri para ela.

-Bom dia para a senhora também. – falei enquanto me levantava da cadeira. – Faz tempo que estava ai me olhando?

-Não muito. – respondeu. – Venha, vamos almoçar. Conversamos depois.

Ela sempre dizia isso, mas nunca cumpria. Era como se tentasse me manter um pouco longe, como se ela não pudesse manter um contato muito longo. Raramente mantínhamos diálogos longos. A sala era pequena, a sala de estar e a de jantar dividiam espaço. Um estreito corredor ligava "as salas" a cozinha. Ela tinha preparado feijão, arroz, salada, carne grelhada e limonada. Depois que terminei o almoço, lembrei que estava atrasada. Quando terminei de arrumar o cabelo e escovar os dentes, pequei minha bolsa e me despedi dela.

-Tchau mãe. Até mais tarde. – dei um abraço nela.

-Até querida. Cuidado no caminho. – deu um beijo na minha testa. – Qualquer coisa me liga.

Fiz que sim com a cabeça e fechei a porta atrás de mim. Desci as escadas o mais rápido que pude, o que me rendeu alguns bons arranhões e suor. A bolsa pesava nas minhas costas, me forçando a diminuir o ritmo. No fim do quarteirão, um garoto quase moreno (ele era branco, mas estava bronzeado do sol da praia), musculoso e não tão alto me encarava de longe com um sorriso que eu descobri que gostava a mais ou menos um mês. Apressei o passo o mais rápido que pude. Quando o alcancei, seu sorriso se desfez.

-Está atrasada. – reclamou. Ignorei o comentário e o abracei.

-Vamos andando ou de ônibus? – perguntei enquanto ele me olhava de cara feia. – Lisandre!

-Ônibus é claro. Já olhou a hora?

Eu não ligava para o que ele falava. Se tinha uma coisa que eu havia aprendido, era que ele tentava me irritar sempre que podia. Começamos a namorar a quase um mês. Realmente estávamos atrasados. O relógio marcava meio-dia e trinta e cinco. Ou seja, eu tinha vinte e cinco minutos para chegar. Não demorou muito até que o ônibus chegasse. Formos conversando e olhando a cidade da pequena janela que dava entrada para que o ar pudesse circular. De repente, ele se levantou.

-Vamos descer aqui. – me informou.

Eu sabia que aquela não era a parada para a escola. Então reclamei.

-Ei! Vamos descer na próxima.

-Precisamos andar um pouco. Venha. – me puxou com o olhar travesso de sempre.

Como eu sabia, faltava uma parada para poder descer perto da escola. Saímos andando em baixo do sol quente do meio-dia, alternando entre ter ou não as sombras das árvores e de mãos dadas. Dobramos a esquina de uma casa laranja, depois mais outra e ele soltou minha mão.

-O que foi? – perguntei.

-Já está tarde. Tenho aula também, sabe? – falou com sarcasmo e eu tremi.

A escola dele me causava um certo pânico. Imagine uma escola que tem cercas elétricas, policiais armados, vários garotos problemáticos/delinquentes e de aparência ameaçadora. Ou Lisandre era pequeno, ou os meninos eram musculosos e altos demais. Não era uma escola mista como a minha, era uma escola só para meninos. Como eu o conheci? Ele estudava na mesma sala que eu e foi expulso/transferido.

-Okay. – respondi com mais sarcasmo ainda e saí andando.

-Ei! – protestou. – Volte aqui. – me puxou para perto dele.

-Oi. Estamos atrasados. – fiz drama. – O que você quer? – sorri.

Seus cabelos pretos tinham um brilho natural a luz do sol. E seus olhos eram de um castanho escuro penetrante. 

-Não posso ter um abraço?

-Ah, era só isso? Está certo. – dei um abraço apertado nele.

-Que tal um beijo agora? – me perguntou. Como eu poderia recusar?

-Nada de mais pedidos. Temos que ir.

-Se comporta na escola. Okay? –falou sorrindo

-Falou quem teve que ir para aquele presidio disfarçado de escola porque foi expulso da escola Toldor . E ainda me diz para me comportar? – falei com ironia. – Se comporte também senhor cauteloso.

Ele não respondeu, e nem me dei o trabalho de olhar para trás e saber o efeito das minhas palavras sobre ele. Dobrei a última esquina, e no final da rua pude ver o portão da escola. Quando entrei, o meu relógio marcava meio-dia e cinquenta e seis minutos. Os corredores estavam estranhamente desertos, quando em dias normais teria dezenas de alunos circulando por eles. Fui caminhando para a sala reparando em salas vazias ao longo do percurso. Minha sala era a sexta do quarto corredor. Quando entrei lá, vi Rayele de costas para a porta conversando e rindo com Lucas e Paulo, e Keith junto com algumas imbecis iguais ela no outro lado da sala. Joguei a bolsa na cadeira atrás da que estava a bolsa de Rayele. Quando ela percebeu minha movimentação, correu em minha direção e nem me deu tempo de raciocinar, foi logo quase me derrubando com um abraço de urso.

Tempos ConfusosOnde histórias criam vida. Descubra agora