bônus¹

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☆ . . . LOUIS PARTRIDGE, point view ;

anos depois...

Estou sentado no parapeito de um prédio. Estou fumando um cigarro, enquanto observo o dia cinza de Londres. Todos os dias parecem o mesmo agora que estamos no inverno. Eu até gosto. Hoje é uma data complicada pra mim. Fazem três anos desde a morte da S/n. Eu tenho contado cada dia, como se ela ainda fosse voltar. Eu sei que ela não vai. Já aceitei isso. Mas também não foi um processo rápido, eu levei meses pra aceitar. Muita terapia e muitos cigarros.

Eu também demorei para compreender que aquilo era o melhor para ela. Demorei para raciocinar que tudo o que ela passaria se estivesse viva, não a faria bem. Nos primeiros meses eu chorei e lutei contra tudo o que as pessoas diziam sobre ela. Eu quis morrer com ela. Três meses foram de total dor e sofrimento. Eu não podia aceitar que ela havia partido.

Eu não podia pedir por um amigo melhor que Ryan. Ele esteve ao meu lado e me salvou, como todas as vezes, quando eu me perdia nas bebidas. Ele já me pegou parado em uma janela, ele já me impediu de encher a banheira, de usar uma faca para cortar um simples pão e uma vez me impediu de fazer minha própria barba. De repente, eu me tornei uma criança outra vez. Qualquer pequena coisinha se tornava perigosa na minha mão. Ele foi a pessoa que serviu para me dar um choque de realidade. Ele gritou comigo naqueles dias em que eu queria ser surdo. Ele me disse que ela nunca mais voltaria e que eu não podia parar minha vida por ela. Que eu não poderia agir como um suicida por ela. Ele tinha razão.

Se S/n estivesse viva, ela não iria querer o meu bem? Ela não iria querer que eu seguisse em frente? Bem, foi exatamente o que eu fiz. No ano em que ela morreu, na noite de Natal, eu conheci Alyssa Wood. Nós dois estávamos passando por momentos difíceis e nada melhor do que a dor para juntar a vida de duas pessoas. Com o tempo, nós dois fomos alimentando um amor que nem sabíamos que existia e quando aconteceu... Ah, quando aconteceu! Foi uma das melhores coisas que senti depois da S/n.

Eu não amei Alyssa desde o primeiro segundo em que a vi. Eu aprendi a amá-la e ela também. Acho que se tornou confortável. Ela sabia que eu estava ali pra ela, da mesma forma que eu sabia que ela estava ali pra mim. Eu não sei quando nós decidimos que íamos casar, mas eu acho que aconteceu. No dia do meu casamento, nada tirava a imagem da S/n no rosto de Alyssa. Era pra ser ela ali. Aliás, eu prefiro pensar que ela não partiu totalmente. Uma parte de mim ainda alimenta sua imagem com lembranças e pequenos gestos que me marcaram.

Eu posso jurar que, as vezes, consigo vê-la andar pela casa, me observar, sorrir para mim, e as vezes até me tocar. Mas por que ela faria isso? Bom, ela não faria. Ela está morta.

Quando a S/n morreu, além do meu sofrimento, as pessoas viraram para mim e me questionavam o que eu iria fazer naquele momento. Alguém tinha que responder aquela pergunta, eu era incapaz de repondê-la, então eles se deram o trabalho de fazer isso. Traçaram a merda da minha vida inteira e eu, como um idiota, vivi cada pedaço estudado e criado por eles. Eu me calei diante de todos e escolhi viver da melhor maneira possível. Já estava tudo planejado mesmo, por que eu me daria o trabalho de replanejar toda a minha vida?

Eu não gostava de chorar na frente de outras pessoas. Aliás, você já reparou que quando você está chorando em público as pessoas te observam sem um resquício de preocupação? Do contrário, há um sentimento facilmente confundido com preocupação. Curiosidade. Todos pareciam curiosos sobre o meu choro, mesmo depois de explicar que eu amava um pessoa e eu mesmo a matei. Era como se o meu amor por ela fosse questionável e estivesse em pauta. Não estava.

Agora eu já estou deitado na cama do quarto da minha casa. Minha esposa, Alyssa, está no banho. Eu sinto que alguém me observa e quando finalmente levanto a cabeça, eu a enxergo. Prefiro ignorar porque minha mente já havia projetado ela em diversos lugares. Não seria a primeira vez que eu a veria por aqui. Mas mesmo depois de mais alguns minutos, ela ainda está ali. Do mesmo jeito.

— O que você vai fazer? — Ela me perguntou simples. Seus lábios tinham um sorriso travesso e seus olhos brilhavam como duas bolinhas de gude.

— Por que você voltou? — Rebati sua pergunta com outra por cima.

— Voltar? Eu nunca fui, como eu poderia sequer voltar? — Ela pergunta irônica. — Por que você não me deixa ir, Louis? Já fazem três anos. Você está feliz?

— Alyssa é uma ótima esposa. — Digo simples.

— Mas não foi o que eu perguntei. Você está feliz? Você a ama? — Ela revirou os olhos de leve. — Eu estou em todos os lugares que você está, você deve saber disso, e eu não consigo ver o amor que você diz sentir. Me parece só... Gratidão. Ela te ajudou a ficar melhor e você acha que deve isso á ela.

— Vai embora, S/n. Eu aprendi a me virar sem você aqui. — Fui seco. — Eu estou feliz com a minha esposa.

— Por que você a amaria, não é? Você mesmo deixou claro que jamais amaria outra pessoa, além de mim. — Ela disse convencida e deu de ombros.

— Eu não acredito em você. Está só dizendo isso, porque acha que eu vou me declarar e cair de joelhos aqui mesmo. — Finjo não me importar e me deito outra vez. — Eu estou feliz com a minha mulher.

— Por que você acreditaria em mim? Afinal, você está me imaginando aqui. Eu estou morta. — Ela retirou o sorriso dos lábios e olhou para os lados. — Você ainda gosta de mim, Lou?

— Eu nunca deixei de gostar, S/n. — Sou sincero com ela.

— Pare de se culpar pelo que aconteceu. Eu estou bem melhor agora. O lugar em que eu estou é calmo e perfeito. Tem um lago enorme, do jeito que nós queríamos a nossa casa. Você iria adorar. — Ela se levanta e caminha até mim. — Não me deixaram saber o que acontece depois. Sabe? Depois que você me deixa ir e descansar em paz.

— Vai embora, S/n. Por favor. — Eu me levantei atordoado. Passei as mãos nos meus cabelos e saí de casa. Peguei as chaves do meu carro e entrei no mesmo.

Ok, eu estou projetando o fantasma da minha ex namorada. Considerando o fato de que ela era muda, esse fantasma aqui parece ter muito á dizer. Eu só podia estar ficando maluco. Talvez fossem os antidepressivos que eu estou tomando. Me alertaram sobre uma possível reação.

— Viva e seja feliz, Louis. Nós nunca sabemos quando será o nosso fim, mas você tem a chance de escolher como será quando chegar a hora. — Eu olho para o banco do carona e ela está ali.

— Eu amo você... Eu sei que eu prometi que ficaria bem, mas eu não estou. Nunca estive. — Eu fecho os meus olhos e deixo com que as lágrimas caíam pelo meu rosto. Ligo o meu carro e dirijo sem rumo pela cidade. S/n parece não ter mais nada a dizer. — Quero ficar com você.

— Não tem como. — Consigo ver que ela encolhe os ombros. — Você deveria usar o cinto de segurança...

Eu não a respondi. Não sei se ela consegue escutar os meus pensamentos, mas isso já não importa mais. Eu me decidi. Preciso passar o resto da minha eternidade com ela. Não existe outra pessoa.

— Eu sei que você não ama a Alyssa, mas ela te ama. Ela te ama muito... Você é muito importante pra ela, então eu sugiro que você pense bem no que vai fazer. — Ela coloca a mão sobre a minha, mas eu não consigo sentir nada. Não consigo sentir seu toque. — Você tem muitas pessoas que se importam com você. A Pattie, o Ryan, o Chaz, a Alyssa...

Mesmo que ela tenha razão, eu já me decidi. Dói demais viver aqui e eu sou covarde demais para enfrentar a vida sem ela. Não consigo mais. Paro o meu carro no acostamento de uma ponte e caminho para a beira da mesma. Eu não conseguia pensar em nada e nem em mais ninguém. Eu só conseguia reproduzir a noite em que ela morreu. Os sentimentos que eu tive. Todos eles estavam adormecidos, porque eles nunca sumiram. Acho que eu só aprendi a conviver com a dor.

— Eu te amo, S/n... — Murmurei antes de dar dois passos para frente.

Observar de fora é melhor do que estar ali dentro. Eu vi quando a polícia chegou, eu vi quando a Alyssa chegou, vi quando Pattie soube da notícia. Ela quis morrer, da mesma forma que eu quis. Era difícil lidar com a perda. Era a primeira vez que eu me sentia genuinamemte em paz.

𝗿𝗲𝗮𝗱 𝗺𝘆 𝗹𝗶𝗽𝘀, 𝗹𝗼𝘂𝗶𝘀 𝗽𝗮𝗿𝘁𝗿𝗶𝗱𝗴𝗲Onde histórias criam vida. Descubra agora