21 - Fogueira

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Jacob saiu para pegar lenhas pela floresta enquanto eu preparava alguns lanches para nós.

Eu não entendia a necessidade de tudo aquilo, parecia até uma festa particular para mim com essa preparação toda, mas parecia ser importante demais para ele e sua animação me contagiava. Jacob queria fazer algo especial apenas para responder uma pergunta boba minha, eu só queria saber o que havia de errado comigo, mas ele tinha muito mais do que isso a dizer, então decidi que apenas o ouviria e aproveitaria esse nosso momento a sós.

O sol terminou de se pôr quando ouvi o som do fogo queimando a madeira lá fora, eu já estava arrumada com uma roupa mais bonita, mesmo que fosse simples, então saí da casa e andei até a praia, inalando o cheiro do mar que a brisa trazia até mim. Jacob havia improvisado dois banquinhos de madeira perto do fogo e atiçava a chama com uma vareta para que o fogo ficasse mais forte. Para uma fogueira improvisada, ele havia se saído muito bem. Levei comigo uma bandeja com os lanches que preparei para o nosso jantar e deixei no banco mais reto, para que não caísse tudo na areia. Jacob me ajudou trazendo a segunda bandeja e nós comemos ao redor do fogo antes dele começar a falar.

— Eu nunca te contei muito sobre a tribo — não era exatamente uma pergunta, mas eu assenti. — Meu pai é melhor com as histórias, eu ainda não sei tudo, mas descobri umas coisas hoje. Uma lenda em especial.

— E você quer me contar?

— Sim, acho que vai ser importante — sua mão segurou a minha. — Como você sabe, os Quileute têm uma descendência mágica, alguns de nós conseguem se transformar em lobisomens quando atingem a puberdade, mas nem sempre foi assim. Nossa tribo sempre teve consigo espíritos guerreiros, homens da tribo com capacidade de deixar seu corpo e adentrar o mundo dos espíritos. Travamos muitas guerras e vencemos por causa dessa habilidade que nossos ancestrais possuíam. Taha Aki foi um grande chefe da tribo por anos, manteve a paz entre nós e as tribos vizinhas por anos, mas havia um homem de coração mau. Utlapa esperou que Taha Aki fizesse uma viagem espiritual e tomou o corpo do chefe, se passando por ele quando voltou à tribo. Taha Aki não tinha como voltar do mundo espiritual, pois Utlapa matou seu próprio corpo para impedir o retorno do chefe.

— Isso é... Horrível.

— Um homem sedento de poder pode se tornar um pesadelo — concordou Jacob. — Taha Aki foi obrigado a assistir, em puro terror, enquanto o impostor fazia várias mudanças na tribo, trazendo corrupção para a reserva e iniciando conflitos com os nossos vizinhos. Como uma medida de segurança, para que ninguém descobrisse a verdade, Utlapa proibiu as viagens espirituais, pois sabia que o verdadeiro chefe estaria esperando para contar tudo para quem o encontrasse. Ele se tornou um fardo, sempre procurando privilégios que Taha Aki nunca havia pedido, se recusando a trabalhar junto dos seus guerreiros, se casando com uma segunda jovem esposa, e depois uma terceira, apesar da esposa de Taha Aki ainda viver em algum lugar desconhecido da tribo. Eventualmente, o chefe tentou matar seu próprio corpo pra salvar a tribo dos desmandos de Utlapa. Ele trouxe um lobo feroz das montanhas, mas Utlapa se escondeu atrás de seus guerreiros. Quando o lobo matou um jovem que estava protegendo seu falso chefe, Taha Aki sentiu um terrível pesar e ordenou que o lobo fosse embora.

"Todas as histórias nos contam que não eram fácil ser um espírito guerreiro. Era mais assustador do que excitante estar fora do seu próprio corpo. Era por isso que eles só usavam sua magia em tempos de necessidade. As viagens solitárias do chefe pra manter guarda eram um fardo e um sacrifício, ficar sem corpo era desorientador, desconfortável, aterrorizante. Taha Aki esteve longe de seu corpo por tanto tempo que chegou um ponto que ele sentiu agonia."

Eu ouvia a tudo atentamente, maravilhada e, ao mesmo tempo, assustada com tudo aquilo. Aquelas histórias pareciam coisa de livros, mas eram reais, eram o passado da tribo, o passado de Jacob. Eu queria saber mais e fazer parte do que ele é, estava feliz por estarmos ali e ter a chance de ouvir mais e mais sobre a vida e cultura dele.

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