9. Calmaria

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“A felicidade é antes de tudo, o sentimento tranquilo, contente e seguro da inocência.”
— Henrik Ibsen


Era fim de tarde, alguns dias após a tempestade. O navio estava ancorado próximo a uma praia em São Filipe, uma das pequenas ilhas do Cabo Verde.

Vítor e Ana haviam voltado a praticar com a espada e, naquele dia em específico, perderam a noção das horas enquanto seus pés descalços percorriam a areia macia.

A maioria dos homens se dispersou. Alguns em busca de bebida e diversão no povoado mais próximo, outros ainda a bordo do navio, enquanto poucos permaneceram na praia, preparando um local para acender a fogueira quando a noite chegasse.

Apenas podiam distinguir a posição do capitão e sua companhia pelo som distante de suas armas que chegava até eles devido ao silêncio do local.

Em determinado momento, Vítor parou, apoiando as mãos nas próprias coxas e respirando arfante, o que arrancou um sorriso de Ana, mas ela também ofegava exausta.

— Acredito que podemos descansar agora. – ele falou, aproximando-se alguns passos.

Ana enterrou a ponta de sua espada no chão, fazendo com que a mesma ficasse de pé, e ele fez o mesmo ao parar a sua frente.

— Pensei que ainda hoje conseguiria fazê-lo assumir como estou ficando mais rápida que você.

— Já assumi isto há algum tempo. – ele disse, tocando seu rosto e a trazendo pra mais perto. — Ainda que não tenha verbalizado até então.

Ela sorriu enquanto ele a beijava, e deslizou os braços sobre os ombros dele, ao mesmo tempo que ele a abraçava pela cintura, erguendo ligeiramente o seu corpo do chão.

No dia seguinte à tempestade, Ana havia acordado sozinha. Mas assim que teve uma oportunidade, Callahan a chamou para conversar - ironicamente, em sua cabine - mesmo sem saber exatamente o que deveria ser dito, pois ele não se sentia arrependido, tampouco acreditava que aquilo não deveria ter acontecido.

Ainda assim, precisava ouvir se para ela os pensamentos eram os mesmos. Afinal, Ana não havia chegado àquele navio com este objetivo e, apesar de ser um pirata e nem um pouco casto, Callahan conhecia o suficiente sobre mulheres e a forma com a qual eram tratadas pela maioria dos homens para não tolerar este comportamento em si mesmo.

Felizmente ele não precisou introduzir o assunto, pois ela, já sabendo do que se tratava, perguntou sem rodeios se ele a tinha chamado ali para argumentar o quão errado aquilo havia sido.

Não.” ele objetou imediatamente “Não vi como erro ontem, e ainda se fosse hoje, a beijaria da mesma forma.”

Pois então beije.” foi o que ela respondeu. E ele não hesitou em agir conforme a vontade de ambos.

Então quando a noite chegou, mais uma vez ela dormiu ali em sua cabine, dividindo sua cama como se fosse onde ela pertencia. Ao menos para ele, era.

E nos dias que se seguiram, apenas se tornaram mais próximos, inicialmente tentando ser discretos em frente ao restante da tripulação, mas não tardou até que ficasse óbvio para todos o seu envolvimento.

Já naquela tarde, quando o horizonte se coloria em vermelho pelo pôr do sol, Vítor afrouxou seu abraço, de forma que pudesse fitá-la.

Ana agora estava sentada a sua frente, entre suas pernas, com as costas apoiadas contra seu peito e encarava o mar em silêncio há algum tempo.

Ela notou seu movimento e virou o rosto em sua direção, erguendo o olhar ligeiramente para encará-lo de volta. O que possibilitou a ele ver a pequena ruga que se formava em sua testa. Ele levou uma das mãos até seu rosto e a tocou suavemente até que se desfizesse.

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