14. Sangue

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"Feliz do homem que não espera nada, pois nunca terá desilusões."
- Alexander Pope



Antes que Vítor pudesse ordenar aos outros que fugissem, viu surgir ao seu redor grande parte da tripulação de Hughes. Cercaram-nos de todos os lados, e chegavam cada vez mais perto.

- Lute comigo e os deixe ir! - disse Callahan, assim que Oliver apareceu em sua linha de visão.

- Não creio que esteja em posição de ditar regras. - respondeu, com um misto de diversão e sarcasmo na voz.

Vítor empunhou sua espada e avançou sobre Hughes, enquanto os três permaneciam ao redor de Zafira. Mas quando os outros piratas começaram a atacar, Jalil e Otto foram forçados a se dispersarem.

Mesmo com toda a relutância em afastar-se de Zafira, Ana se pôs de pé e desembainhou sua espada, mas com a quantidade de oponentes que cada um precisava enfrentar, não conseguiu evitar por muito tempo que um dos homens chegasse até a mulher, e apenas pôde assistir em um relance enquanto o mesmo a atingia com um golpe displicente.

Ela gritou inutilmente, sentindo como se o golpe houvesse sido em seu próprio peito, mas em questão de segundos atirou-se sobre ele, desferindo uma série de golpes e utilizando-se de uma força que nem mesmo ela sabia possuir.

Neste momento, atraído pelo som dos disparos anteriores, chegou até eles o grupo de tripulantes do Invictus que ficara encarregado de checar o endereço do tal atravessador. Os mesmos encontraram o endereço como prometido, bem como obtiveram algumas informações importantes, mas não esperavam que uma emboscada tivesse sido armada nas ruas daquela cidade. Eles se juntaram a luta, a tornando mais equilibrada, ainda que não o suficiente para ser considerada justa.

Entre um golpe e outro de espada, Vítor vislumbrava a cena ao seu redor, com um sentimento de impotência. Embora conhecesse a capacidade de sua tripulação em defender-se, e se encontrar em situações como aquela não fosse novidade para nenhum deles, Vítor reconhecia sua responsabilidade sobre tal desfecho.

Sabia quantos sinais havia ignorado. Pois conhecendo seu inimigo da maneira que conhecia, era fácil prever suas intenções, uma vez que o mesmo soube de seu envolvimento com Ana. E por este motivo, Callahan sabia que não era ele o alvo direto ali, tampouco seria apenas Zafira.

Dirigiu seu olhar para Ana a tempo de ver quando Zenon Sanz aproximava-se. Ela parecia cansada, mas ainda se defendia e atacava com um fervor ao qual ele jamais havia visto em seus treinamentos. Vítor tentava a todo custo chegar até ela, mas esquivar-se dos golpes de Hughes e mais três homens não lhe possibilitava brechas.

Ainda assim, viu quando Jalil bloqueou com sua espada o golpe covarde de Sanz, que tentava atacá-la pelas costas. Ele o derrubou logo em seguida com um golpe rápido e o atingiu na garganta.

Os dois lutaram lado a lado naquele momento, e era nítido como Jalil ganhava vantagem rapidamente. Ao contrário do que poderia parecer visualmente, sua altura e o peso avantajado devido a quantidade de músculos não o tornavam nem um pouco lento.

Hughes pareceu perceber a clara virada, pois recuou, permitindo a Callahan enfrentar o restante de seus oponentes em pé de igualdade, até que os mesmos recuassem também.

No entanto, em uma sequência se movimentos que pareceram ocorrer em velocidade reduzida - e ao mesmo tempo rápido demais para reagir - Vítor notou quando Hughes levou a mão até o coldre em seu cinto e retirou mais uma vez sua arma.

Ele estava muito distante para alguém impedi-lo, ainda assim, tomado pela adrenalina, Callahan livrou-se de seus oponentes e se lançou sobre ele, ao mesmo tempo que via seu braço ser erguido em direção a Ana.

Vítor não saberia dizer se emitiu algum ruído na tentativa de alertá-la, mas quando o som de disparo ecoou, reverberando pelas paredes de pedra daquela rua quase deserta, e Vítor voltou-se para ela em um movimento instintivo, seus olhos se encontraram por uma fração de segundos, então ele assistiu seus joelhos cederem e o seu corpo tombar ao chão.

E tudo parou.

Os movimentos de Callahan, o som das espadas, os gritos ao redor e até mesmo a nuvem de poeira a preencher o ar devido a agitação no local. Tudo parecia ter parado, até voltar a ser perturbado pelo último som ao qual Vítor poderia desejar ouvir. A gargalhada triunfante de Hughes.

Callahan voltou-se para ele com seus olhos vermelhos em fúria, sentindo a cabeça fervilhar e o sangue percorrer seu corpo, quente como aço derretido. E ele o atacou.

Mas naquele momento ele não era Vítor Callahan. Não sentia-se como o filho de Elena e Bradan Callahan e Capitão do Invictus. Vítor era uma mistura caótica de sentimentos, aos quais jamais imaginou conhecer. Sua espada era leve em suas mãos, mas seus golpes tinham o peso triplicado para quem os recebia.

Ele atingia Oliver em uma sucessão ininterrupta de investidas, e não parou quando o mesmo foi ao chão, tampouco quando outros tentaram impedi-lo. Os derrubou com a força de dez homens e por fim aterrou sua espada no centro do peito de Oliver Hughes, com a precisão de um golpe friamente calculado, ainda que toda a sequência não houvesse durado mais que alguns segundos.

Assim que se viu livre de seus oponentes, Callahan correu ao encontro de Ana, agora deitada no solo, próximo ao corpo de Zafira e a frente de Jalil, cujos braços apoiavam sua cabeça para que a mesma não tocasse o chão.

- Precisamos levá-la para Murrey! - disse, já tomando-a em seus braços.

- Capitão... - Ahmed começou a dizer, mas foi interrompido.

- Solte-a e erga-se daí, não temos tempo! - ordenou aos gritos, mas Jalil não se moveu.

- Ela está morta, Vítor..

Ao som das palavras de Otto, Vítor deixou seus joelhos atingirem o chão, sentindo o ar girar ao seu redor.

Jalil então a soltou e ergueu-se silenciosamente, enquanto Vítor a envolvia em seus braços de maneira delicada, sentindo o calor ainda presente em seu corpo esvair-se gradativamente.

Tocou seu rosto de forma que pudesse encará-la, ou talvez se certificar de que tudo não passava de um enorme engano.

Uma das flores que ela havia ganhado mais cedo do vendedor ainda permanecia presa em seus cabelos, e sua expressão era pacífica, mas a cor já lhe fugia, tal qual a temperatura.

Ele sentiu os olhos arderem quando já não pôde mais negar a realidade, Ana estava morta, e vitória da batalha em nada se parecia com uma vitória real.

Havia finalmente matado Oliver Hughes, e os sobreviventes de sua tripulação haviam fugido, mas sentir naquele momento o corpo de Ana imóvel em seus braços o fazia ter a certeza de que preferiria um milhão de vezes a derrota.

A apertou um pouco mais contra si, sujando a própria roupa com o sangue que ainda saía pelo ferimento em seu peito, e enterrou o rosto sob seus longos cabelos negros.

E sentindo-se preencher por aquele perfume tão familiar, ele chorou, como nunca antes havia chorado e como nunca mais se permitiria voltar a chorar.

𝑰𝒏𝒗𝒊𝒄𝒕𝒖𝒔Onde histórias criam vida. Descubra agora