Último Natal - Mikannie

Ela 'tá vindo aí

Eu não me importo nenhum pouco de ter que trabalhar em plena véspera de natal, mas as reclamações da Historia e da Hitch já estavam me tirando do sério. Como duas pessoas podem resmungar tanto?

— Eu não acredito que teve que dar ruim com aquela construção justo na véspera de natal, isso até parece um castigo! — a Reiss falou ao meu lado. 

— A culpa da gente estar presa aqui hoje é toda do Connie e do Jean, que se fizeram de doidos e não vieram resolver esse problema. Da última vez foi a gente, e agora que seria a vez deles, dizem que já estão em outro país. E eu sei muito bem que esses dois devem estar aqui em Tóquio enchendo o rabo de panetone e assistindo Netflix, enquanto a gente trabalha que nem três escravas da construção civil. — Dessa vez foi Hitch a reclamar, e eu nem me virei para olhá-la, apenas continuei a encarar a tela do computador redigindo o texto que precisávamos. 

Nós trabalhamos representando as maiores empresas da construção civil do Japão, e se algo acontece de ruim com elas, como o desabamento de uma obra ainda inacabada, temos que fazer de tudo para ajudá-la. E na noite passada, foi exatamente o que aconteceu.

Deveríamos estar de recesso, mas fomos chamadas às pressas para vir ao escritório tentar dar todo o amparo legal que a empresa necessitava. A Hitch e a Historia estavam completamente revoltadas por isso, porém eu não dava a mínima, na verdade, até gostei. Era a justificativa perfeita para não ter que inventar desculpas para meu pai e fugir do natal. 

Eu realmente esperava que depois do que aconteceu no natal passado ele iria respeitar o meu espaço e me deixar tranquila aqui em Tóquio, ainda mais nessa data. No entanto, aparentemente, toda a vergonha e humilhação de um ano atrás não significava muita coisa para ele. Aliás, até imagino que ele também convidou o Rainer e o Bertholdt para ver se fazíamos as pazes. 

Aliás, quem foi que inventou essa história de que natal é uma época de perdão e união?

Agora, só porque o capitalismo inventou uma data para movimentar o comércio, eu sou obrigada a me reunir com os parentes com quem não falei durante o ano todo, e que na verdade nem gosto tanto assim, para abraçá-los e dizer o quanto amo tê-los na família? 

Ou pior, só por ser o momento do ano em que as pessoas decidem se encher de bons sentimentos, eu vou ter que perdoar o meu irmão e o seu atual namorado, que por acaso é o meu ex-namorado?

Não, obrigada. 

Eu não caio nessa. 

Prefiro ser verdadeira comigo mesma e fiel aos meus valores durante o ano todo e não só em um dia específico. E, bem, para mim, o que aqueles dois fizeram é imperdoável. 

Então, mesmo que estivesse com o dia todo livre, não voltaria para casa e farei até o impossível para me esconder dessas comemorações ridículas de natal regadas a hipocrisia... 

— Qual a sua ideia para nos vingarmos daqueles dois, Annie? — Historia perguntou, empurrando a sua cadeira para perto de mim. 

— A culpa de estarmos aqui não é deles, é dos engenheiros que não supervisionaram a obra direito. E já que estamos presas aqui, por que não aceitamos sem reclamar? — respondi sarcástica, tentando encerrar a conversa. 

— Mau humor bem na véspera de natal, Annie? Já não basta ser ranzinza o ano todo? — Hitch me provocou, rindo em seguida. — Vai me dizer que todas essas luzinhas, os sinos, os presentes, a neve, a decoração, o Papai Noel e toda essa atmosfera mágica, não são capazes de amolecer um pouco o seu coração. 

— Na verdade, tudo isso piora ainda mais o meu humor. Aliás, cadê o parecer dos engenheiros sobre as condições técnicas da obra?

As duas nem se incomodaram com a minha resposta seca e apenas riram. Desde que me mudei para cá, no começo do ano passado, trabalhamos juntas e posso dizer que nos tornamos grandes amigas. Apesar de sermos diferentes, nos entendemos e nos divertimos bastante.