XVIII

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- DEPOIS DO CHECK-UP NO MÊS PASSADO, ouvi que você voltou ao trabalho, ocupada?

Estávamos no médico para uma consulta, íamos saber como estava Camila em relação a sua amnésia provocada pelo acidente. Ela segurava a minha mão.

- Está tudo bem - ela disse.

- Você tem sentido algum desconforto ultimamente? - ele perguntou.

Um instante de silêncio, parecia que Camila estava escolhendo bem suas palavras.

- Às vezes minha cabeça... dói... Eu também... Me canso facilmente, talvez eu ainda não esteja acostumada a voltar a trabalhar ainda - ela disse com um sorriso.

- Ela está esquecida ultimamente, muitas vezes ela se esquece de onde deixou o telefone - eu disse com um sorriso, me lembrando que ontem ela não se lembrava onde deixou, sendo que ela havia pegado ele em alguns minutos e deixado no sofá.

- Sério? - ela me perguntou confusa e meu sorriso se desfez.

- Sim.

Ela não se lembrava de ontem? Será que a lesão foi forte demais?

- Okay, vamos fazer um teste, é muito simples. - Ele pegou uma prancheta. - Apenas responda as perguntas, okay? - Ela assentiu. - Você pode me dizer a data de hoje?

Camila me olhou e eu confirmei com a cabeça, ela se virou para o doutor e riu.

- Este é o teste?

- Você pode achar que é bobagem, mas por favor, seja paciente e conclua o teste.

Seu sorriso sumiu aos poucos.

- Dia 31 de janeiro de 2013, quinta-feira - ela respondeu.

- Você sabe onde está? - ele perguntou.

- Hospital - Camila disse me olhando incrédula. - Eu estou em um hospital... O NMU Hospital.

- Repita as seguintes 3 palavras depois de mim: maçã, jornal, trem. Lembre-se então, vou perguntar de novo.

- Maçã, jornal, trem - ela disse um pouco irritada.

- Quanto é 100 menos 7?

- 93.

- Menos 7 de novo.

- 86.

- Menos 7 de novo.

- 79.

- Direi cinco números, repita os para mim, mas na ordem inversa: 4, 2, 7, 3 e 1.

- 1... 3... 7... - ela deu uma pausa e eu a olhei. - 2... 4.

- Por favor, me diga as 3 palavras de antes.

Ela o encarou confusa.

- Que três palavras?

Meu coração estava apertado, não gostava daquilo. Ela estava brincando?

- As 3 palavras de antes... - eu disse para ela.

Camila me encarou completamente confusa e eu olhei para o médico que estava com uma expressão sombria no rosto.


Camilla fez ressonância magnética e já estávamos com o resultado quando o doutor nos mostrou apontando para alguns cantos.

- Localizado em seu lobo esquerdo... Há um coágulo de sangue. Os dois lados do hipocampo são desiguais, o lado é normal, o outro apresenta sinais de atrofia - ele disse.

- O que isso significa? - eu perguntei.

O doutor ficou o que pareceu uma eternidade calado.

- Senhorita Cabello, suspeitamos que você tem a doença de Alzheimer.

O que?

- O que é a doença de Alzheimer? - Camila sussurrou.

- Algumas pessoas chamam de "demência".

- O que? Você ouviu ele?

Eu não sabia o que falar.

- Existem duas opções de tratamento. Primeira: Remover cirurgicamente o coágulo de sangue, mas não recomendo essa opção, porque o coágulo está pressionando vários nervos principais, é uma cirurgia de alto risco, a taxa de sobrevivência é de apenas 20%. Segunda: a medicação pode atrasar a progressão da doença, o que você deve fazer agora é construir suas funções cognitivas com atividades... Como copiar texto à mão ou ler, fazer exercícios todos os dias e começar a escrever um diário... - ele ia dizendo, mas em algum momento eu parei de ouvir.

Sentia Camila chorando em silêncio ao meu lado.

Era como se tivessem espinhos na minha garganta e por todo o meu corpo, me impedindo de dizer algo. Senti meus olhos arderem, mas eu não podia chorar naquele momento, eu precisava me manter forte por ela. Camilla apertava minha mão com força e eu retribui, eu estaria ali com ela.

Era como se tivessem jogado um balde de água fria em nós duas.

Tivemos uma segunda chance de reconstruir nossa vida juntas e agora tudo poderia ser destruído mais uma vez.

Fomos embora no automático, como se fossemos robôs.

Quando chegamos Camilla correu para o quarto e eu me permiti chorar um pouco antes de ir até ela. Ela estava encolhida na cama. Eu me deitei e a abracei, sentindo ela ali comigo.

- Em breve, posso nem me lembrar quem eu sou... Quando isso acontecer... Você vai me abandonar? - ela sussurrou.

- Eu nunca irei te abandonar - eu sussurrei de volta. - Mesmo se você perder toda a sua memória, ficarei ao seu lado.

Ela assentiu e se virou para mim, ainda encolhida, eu a abracei mais forte.

- Por favor, não desista de mim, não me deixe sozinha - ela pediu.

- Eu sempre estarei com você, Camilla. Ficaremos juntos até mesmo depois do fim.

- Até mesmo depois? - ela perguntou com lágrimas.

- Até mesmo depois.

- Eu estou com tanto medo.

- Eu sei, meu amor, eu sei. - Eu queria dizer que também estava com medo.

- E se eu me esquecer de você?

- Shh... Não pense nessas coisas agora, eu estou aqui e não vou a lugar algum.

E eu não iria, eu ficaria com ela e não desistiria. Meu coração estava se partindo, mas eu iria permanecer forte, por ela, por nós duas. 

The Stolen YearsOnde histórias criam vida. Descubra agora