Capítulo 6

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Eu saí da loja da minha família pouco mais de um ano mais tarde, quando decidi que estava insuportável viver ali. Parecia uma atitude meio infantil, mas todos os lugares me lembravam Regina e, para onde quer que eu olhasse, meu coração teria a expectativa de vê-la passando na frente da loja ou parada em alguma fila em outro lugar. Era uma sensação boa no começo, mas, quando a esperança começou a se tornar uma dor crônica que diariamente me lembrava de como tudo acabou, as coisas ficaram insustentáveis.

Eu já não era uma criança, era maior de idade, e mesmo parecendo ridículo tomar esse tipo de atitude por causa de um amor platônico, acabei me mudando de cidade depois disso, para ter certeza de que eu nunca mais a veria. Doía pensar que tudo estava realmente acabado, mas pelo menos eu não teria medo de reviver meus fantasmas ao andar na rua. Pensei que poderia ter paz depois de ir embora, mas isso não aconteceu, porque o problema não era o lugar. 

Não importa onde eu estivesse, Regina estaria sempre em minha cabeça, e eu comecei a aceitar isso melhor depois de dois anos longe. Não podia fazer nada para impedir que ela entrasse em meus pensamentos e meus sonhos, então aceitar parecia o menos pior. 

Mais dois anos se passaram. 

Depois de todo esse tempo, parecia seguro voltar e passar um tempo com minha família, talvez revisitar a loja e aquela avenida sem medo, e foi o que eu fiz. Me convenci de que não havia perigo, mas, depois dos primeiros dias, aquela sensação única e inconfundível apitou no meu peito outra vez. Olhei ao redor, estava andando com Ruby pela rua lotada no fim de tarde, e de alguma forma eu tive certeza de que Regina estava por ali em algum lugar. Mantive meu olhar baixo, sentindo o mesmo pânico de anos atrás, e torci para não vê-la de verdade. Minha amiga me puxou, sem entender o motivo de eu estar tão tensa de repente.

Assim como acontecera quatros anos antes, o destino parecia não ter cansado de brincar comigo. Nós paramos em uma faixa de pedestre, junto com várias outras pessoas que esperavam para atravessar a avenida, e eu ainda encarava meus pés quando senti meu peito apertar ainda mais. Prendi a respiração, sendo tomada pela apavorante certeza de que Regina estava parada bem ao meu lado, provavelmente sem perceber minha presença, e tudo que eu precisava fazer para vê-la de novo era erguer o rosto.

Uma luta interna estourou dentro de mim nos poucos segundos que tive para pensar, enquanto o sinal não abria. Ela me perceberia e provavelmente lançaria um olhar torto se eu parasse de esconder o rosto, o que doeria por muito tempo, mas eu queria ver seus olhos mais uma vez. Será que valia a pena? E se eu estivesse errada e ela nem estivesse ali? Não, eu nunca me enganara sobre Regina antes. Se meu coração dizia que ela estava ali ao meu lado, então era verdade e eu só podia decidir entre aproveitar a chance ou não.

Por fim, a vontade me venceu. Respirei fundo e ergui a cabeça pouquíssimo tempo antes de os carros pararem, e quase imediatamente cruzei o olhar com o de Regina. Aquele mesmo olhar profundo que me atraía em qualquer situação. Nos primeiros segundos, ela pareceu surpresa ao me ver, mas em seguida desviou a atenção e fechou a cara, andando rapidamente para atravessar a rua e sair do meu campo de visão.

Eu senti uma lágrima escorrer, enquanto outras embaçavam minha visão, mas não pude conter um sorriso aliviado e feliz por vê-la de novo. Minha amiga não se impressionou quando contei o que tinha acontecido, e pareceu ficar um pouco mais tolerante com meu passo lento e distraído depois disso. 

Quatro anos tinham se passado, e Regina ainda me causava esse tipo de reação desproporcional. Eu só queria entender por quê.

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Cinco anos mais tarde, eu ainda pensava nela quase todos os dias. Porém, dessa vez, eu definitivamente havia desistido. Sabia que não poderia evitar o amor pulsante que eu sentia, mas já tinha conseguido me convencer de que as coisas seriam daquele jeito para sempre e não havia nada para se fazer a respeito. O processo para me convencer disso foi muito demorado e doloroso, mas, em compensação, foi libertador o momento em que finalmente respirei fundo e entendi que precisava seguir adiante, mesmo assim. Era quase um processo de cura, embora ainda doesse quando eu pensava demais.

Quando comecei a namorar uma outra mulher, soube que tinha superado Regina o suficiente. Não totalmente, pois seria impossível tirá-la do meu coração, mas o suficiente para que minha vida pudesse continuar.

Minha atual namorada, Bella, estava comigo há um ano quando encontrei Regina outra vez. Era como um fantasma que me assombrava, mas não era o medo que fazia meu coração disparar, era aquele olhar. Anos haviam se passado, ela estava mais madura, outro corte de cabelo, outro tipo de vestimentas, mas, o olhar era o mesmo, aquele que parecia me penetrar, e nunca mudar, não importa quanto tempo passasse. 

Como eu ia dizendo, muitos anos já haviam passado, eu estava com Bella tentando aproveitar as férias de fim de ano na praia. Minha namorada sempre foi atenciosa e carinhosa comigo, fazia eu me sentir bem e eu gostava dela de verdade, mas nunca contei sobre Regina. Pensei que isso estragaria tudo, e eu estava certa, pois precisei dizer alguma coisa naquelas férias, quando simplesmente trombei com Regina em um lugar onde eu jamais esperaria vê-la. Talvez, se eu estivesse preparada, poderia ter reagido melhor e Bella não teria me questionado, mas tudo aconteceu rápido demais para que eu pensasse na melhor maneira de me comportar.

Bella e eu estávamos sentadas em um quiosque na praia, conversando tranquilamente enquanto nosso pedido não chegava. Estava sendo um bom dia, tudo corria bem, até que eu a vi se aproximando com sua família. Desviei o olhar rapidamente, torcendo para que ela não tivesse me notado ou, pelo menos, não tivesse visto meu olhar acidentalmente procurando o dela, assim que senti sua presença. Ao que tudo indicava, Regina não percebeu nada, pois sentou na mesa ao lado da nossa. Prendi a respiração, tentando me concentrar em Bella, mas meu coração parecia querer quebrar minhas costelas. E agora?

Bom, se ela não me notara, havia uma chance. Entretanto, Bella não deixava as coisas passarem tão facilmente e, na segunda vez que meu olhar passou pela mesa de Regina contra minha vontade, ela me questionou. 

— O que você tanto olha na mesa do lado? — Seus olhos varriam a família de Regina, procurando o motivo do meu interesse.

Nesse momento, como se tivesse ouvido, Regina também virou a cabeça e olhou para nossa mesa, provavelmente por acidente. Eu arregalei os olhos e me encolhi, ela desviou a atenção com uma raiva que não existia antes, e Bella fechou a cara.

— Certo, já entendi — resmungou. — Alguma ex que eu desconheço?

— Nã-ão, não é isso — gaguejei, pensando rapidamente na melhor maneira de explicar. — Ela trabalhava perto da loja da minha família, nunca tive nada com ela e não nos falamos há anos — sussurrei, me sentindo um pouco estúpida por ter que explicar isso. — Eu só não esperava encontrá-la aqui, só isso. 

Bella concordou, ainda enciumada e continuou com a cara fechada por mais algum tempo, e a pior parte é que isso mal me incomodava, pois agora eu não conseguia parar de sentir a presença de Regina. Bella lançou um olhar curioso para mim, talvez tentando uma brecha para encontrar a direção do meu olhar, mas eu tinha apenas uma vaga noção de sua presença. Tudo que eu pensava era que o destino devia realmente me odiar para fazer uma coisa dessas comigo.

Depois disso, senti como se minhas férias estivessem simplesmente sendo estragadas, mesmo após tanto tempo de planejamento. Eu não podia recuperar a empolgação de antes, não podia me concentrar em me divertir, porque agora sentia o mesmo pânico de anos atrás, daquela menina imatura, de quando tive medo de olhar para fora da loja dos meus pais e vê-la atravessando a rua, ou entrando no mesmo mercado que eu. Regina assombraria minhas férias, mesmo fingindo não me conhecer e parecendo irritada a cada vez que notava minha presença. Entretanto, apesar dessa péssima reação, eu ainda gostaria de conversar com ela e me sentia pronta para tentar o primeiro contato em muitos anos. Se não fosse por Bella, eu teria aproveitado a chance para tentar pelo menos me aproximar. Infelizmente, teria que deixar passar essa chance, talvez a última de toda minha vida. Por outro lado, eu tinha a inquietante certeza de que sempre voltaria a ver Regina de novo e de novo, como se o destino pelo menos quisesse me colocar de volta no caminho dela sempre que ela começasse a se esquecer de mim. Não sei de que modo isso poderia me ajudar, mas era assim que as coisas pareciam ser.

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