Precisamos falar do perigo que é ter gatos e os malefícios que eles podem nos trazer. Ao ter um gato, você corre o risco de passar muito tempo com eles e se identificar com seu jeito único e peculiar. Corre também o risco de se tornar um ser humano melhor e escravo de suas vontades. Deixe-me explicar como esse esquema de pirâmide começou:
Uma vez mudei-me para uma casa tão diminuta que a chamava carinhosamente de 'casinha de boneca pois não cabiam muitos móveis, nem sequer um guarda-fato no quarto, tanto que alguns sapatos acabavam por ficar no quintal, rodeado de plantas que nunca percebi como cresceram e se tornaram tão bonitas e vistosas sem nunca terem sido regadas, sob um telhado rústico e pequeno.
Numa tarde ensolarada, fizemos um churrasco e convidamos alguns amigos para jantar na nossa aconchegante casinha de boneca.. foi quando o cheiro atraiu um pequeno peludo de quatro patas cinzento. Ele ou ela sabia exatamente o que estava fazendo e a quem pedir comida. Delicadamente, com sua cauda erguida, caminhava para o centro do quintal a pedir festinhas e ganhar algumas migalhas de peixe. Mas era tarde demais, mal sabíamos que estávamos caindo no golpe e que o gato fizera aquilo porque queria morar ali.
Nos dias que se seguiram, o gato retornou ao quintal, com seus miados aveludados e confiante. Tratava-se de uma fêmea, à qual soubemos que se chamava Flor. A gata era da vizinha, mas passava horas, dias na minha casa. Não havia luxo nem conforto, havia um cubículo com poucos móveis ao redor, e a Flor não se importava com isso. Vinhas tantas vezes e passou a morar connosco. Ao que me parece, a gata era bem tratada, não percebo por qual motivo aplicava seu perverso golpe a mim e ao meu companheiro. A gata Flor não estava satisfeita em nos exigir festinhas, comidas húmidas, e quando nos demos conta, estava a comer da melhor ração no melhor canto da cama, tomando os espaços vazios dos nossos corações.
Depois de explicar o ocorrido à vizinha, ela já não se importava da gata morar conosco. Flor já era parte do nosso jardim, digo, da nossa família. A Flor era uma gata dotada de inteligência e delicadeza, sabia a hora de voltar para casa e fazia isso sempre ao fim da tarde. Não satisfeita, apareceu com outro gato, um filhote muito pequenino, pretinho, era órfã e fizera da Flor sua mãe. Não acredito! Outro golpe! Mais um gato, mais um ser para dar ração, digo, amor... menos um espaço na cama e de vazio no nosso coração.
Quando me referi ao que a Flor ERA no passado, é porque nunca soubemos o que de facto aconteceu, ela apenas não voltou mais. No entanto, Abigail, a gatinha preta filhote que estava com ela, crescia forte, linda e com pêlos brilhantes. Por ela, fazíamos qualquer coisa. Não a castrámos a tempo e Abigail deu à luz a Summer, consequentemente Summer deu à luz ao gato preto Merlim e à siamesa não original Morgana. Tal qual a Flor, Abigail também desapareceu e, nesse esquema de pirâmide, ficaram apenas: Summer, mãe do gato Merlim e da Morgana. Estes foram castrados e fazem parte da família até hoje. Fui vítima de um golpe avassalador de amor e de afeto. Ter gatos é perigoso.
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Narrativas efêmeras do cotidiano
UmorismoCrônicas de tudo e de nada. Situações cotidianas narradas por um um olhar atento entre outras coisas.