Depois de um bom tempo na reabilitação, Emeraude já não tem mais ideia de como é a realidade de West Valley. Com uma boa recepção, o amor dos amigos próximos e o conforto depois de tanto tempo longe de sua família, ela consegue sentir ao menos que e...
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Eu não lembrava do céu de West Valley ser tão azul.
Quer dizer, depois de quase dois anos naquela clínica, eram bem raros os momentos que eu olhava pra cima e não via um amontoado de nuvens escurecidos, anunciando uma chuva daquelas dignas de um chocolate bem quente. Eu sempre gostei mais dos tempos chuvosos do que os calorentos, na verdade. Mas, bom, eu não tinha o conforto na reabilitação que eu teria dentro de casa. Não me serviam pão quentinho como minha mãe faria na hora do café da tarde.
Eu estava lá por ter me rendido. A última sensação que eu teria era a do conforto que só a minha mãe e minha cama quentinha poderiam me dar.
Me sinto estranhamente aliviada quando aconchego meu corpo no banco de couro do carro da mamãe. Logo, estávamos viajando pelas ruas da cidade, voltando para a minha tão familiar cidade natal. Praticamente me afundo nos braços de Emilia Manfred quando piso pela primeira vez em quase dois anos fora daquela clínica de reabilitação. O cheiro da minha mãe acalma toda e qualquer tensão que ameaça nascer em meu corpo.
━Como você está linda, meu amor. ━ minha mãe diz, olhando nos meus olhos pela primeira vez após quase dois anos.
Só de estar perto dela, me sinto em casa. Verdadeiramente me sinto em casa.
E, bom, não demora muito para que cheguemos até o apartamento que nós morávamos. Eu, ela e minha irmã mais nova. Eu nunca tive pai, então não tenho a sensação de saudade por algo que eu jamais cheguei à ter contato. A figura mais próxima que eu tive de um pai, estava por ali, em West Valley. Provavelmente xingando adolescentes de graça e ainda ensinando o que era o karatê de verdade.
Mesmo depois de dois anos, Johnny Lawrence nunca desistiu de mim.
Ainda que eu saiba de sua rivalidade intensa com o meu tio desde os tempos da idade média, eu nunca deixei de ter extrema admiração por ele. Foi ele quem, após a minha primeira overdose, esteve comigo em todos os momentos. No hospital, no processo de recuperação e logo no caminho rumo à clínica. Ele quem me ensinou tudo que eu sei de karatê hoje em dia. Ele quem me mostrou o meu lado mais forte, quem viu o meu lado mais feio e ainda assim, não desistiu de mim.
Por outro lado, meu tio é tão diferente, mas ao mesmo tempo terrivelmente igual.
Meu nome é Emeraude Hazel Manfred Larusso. Sobrinha de Daniel Larusso, o cara que minha figura paterna mais odeia na vida.
Cá entre nós, eles nem se odeiam tanto assim. Só gostam de levantar uma falsa bandeira desde os primórdios por conta de uma porra de um chute na cara durante o torneio nacional.
Daniel sempre me dizia que eu era o olho do furacão. Que, por onde eu passava, bagunçava tudo e qualquer coisa. Mas que por um lado, isso poderia ser bom. Quer dizer que eu sempre deixava minha marca em qualquer lugar que eu pisasse. Não carregava seu sobrenome atoa, de acordo com suas palavras.
Ele era um dos melhores homens que já conheci.
Daniel me ensinou a paciência, o seu modo de karatê também esteve presente em grande parte da minha infância. Lembro-me que brigamos feio quando ele descobriu que eu estava no Cobra Kai. Fui chamada de traíra, duas caras e quem tinha pulado pro lado ruim da força. Ficamos apenas alguns dias sem nos falarmos. Ele logo apareceu na porta do meu apartamento, com um bolo de chocolate em mãos e perguntando se podíamos conversar.
Quer dizer, a minha base do karatê é tudo que Daniel me ensinou. Ouvi desde criança que essa arte era apenas pra auto-defesa, que agredir as pessoas não levava a nada. A segunda parte, eu levo comigo até hoje. Mas, é impossível meu sangue não esquentar toda vez que eu pisava os meus pés no tatame do Cobra Kai. Escutava Johnny ensinar, insultar cinco minorias por segundo e me instruir da forma que eu mais me sentia confortável como se eu fosse sua fã número um.
E eu sou mesmo. Sou sua fã número um.
Porém, ele não foi a primeira pessoa que me recebeu assim que eu voltei pra casa. Foi só eu pisar dentro de casa novamente que meu coração quase pula pela boca. Daniel está sentado no sofá, e assim que nota minha presença, também quase saltita na minha direção.
Ele diminuiu a velocidade de seus passos. Me olhou no rosto por alguns segundos, tempo o suficiente para eu assistir as lágrimas nascendo em seus olhos. O sorriso cresce em seu rosto na mesma medida que no meu, e logo, estou nos braços do meu tio num abraço mais que reconfortante. Me permito aperta-lo contra mim. Eu senti falta pra caralho dessa presença, do seu cheiro, da sua companhia. Mesmo que eu me identifique mais com Johnny, minha figura protetora também era Daniel, mesmo que eu não fizesse questão de dizer isso à ele.
━ Como você cresceu, Emme. ━ disse entre risadas.
Está tão feliz que ri sozinho.
━ Você acha? ━ eu também sorrio.
━ Muito maior desde a última vez.
Não gostamos muito de lembrar da última vez. Bom, foi Daniel quem me achou tendo uma overdose na sala de casa. Não é uma cena que é gostosa de se relembrar, como todos os nossos treinos no dojô que ele construiu atrás de sua casa. É algo que eu prefiro esquecer, ainda que o efeito da droga sob o meu corpo ainda se repassasse pela minha cabeça.
Não tive recaídas durante esses dois anos. Não porque eu não queria, mas porque era proibida, obviamente. Conheço algumas pessoas que estiveram em outras clínicas que ainda assim, conseguiam usar lá dentro. A minha era mais parecida com uma penitenciária de alta segurança. Me senti a porra de uma freira naquela lugar, almoçando sopa com arroz quase todos os dias e comendo geleia sem gosto toda vez que eu dizia à enfermeira que precisava de droga.
É. Fizemos um combinado. Toda vez que eu sentisse sede de usar, ela me dava uma gelatina. Mas que porra isso adianta? Quero cocaína, caralho, não gelatina industrial.
━ Mas, como as coisas estão? Cadê a Samantha? ━ eu largo minhas bolsas em um canto da sala. ━ Anthony acordou pra vida? Ninguém aguentava mais aquele moleque com vídeo-games.
━ É, ele mudou, sim ━ Daniel ri, se sentando no sofá novamente. ━ A Sam também. Aconteceram muitas coisas no tempo que você esteve fora.
Pouso minhas mãos na cintura e minha mãe intercalou seus olhares entre nós dois. Ela sabia que tínhamos muito o que conversar. Estou desesperada por informações do mundo real, desde que não tenha nada a ver com gelatina.
━ Vou fazer um café pra nós. ━ murmuro um "obrigada" e ela logo se retira.
Daniel espalmou suas mãos sobre as coxas e sorriu pra mim, ainda com os olhos presos sobre o meu rosto.
━ Ainda estou chocado. Não sei por onde começar. ━ abaixo a cabeça, tão alegre que não cabia em mim. ━ É bom ter você de volta, Emeraude.
Puxo meus lábios numa linha reta e me aconchego na poltrona bem em frente ao sofá. Agora, estamos cara a cara um com o outro.
━ Me conta tudo. Quero todos os detalhes.
Daniel suspirou, assentiu com a cabeça e finalmente abriu o bico.
━ Tudo começou depois que você foi internada. Eu conheci um garoto. ━ se ajeitou de forma desconfortável. ━ O filho de Johnny Lawrence.