6. A criatura, seu Escravo e a Vadia de sangue

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As inúmeras presinhas afundaram na pele dos braços, o braço direito estendido na cama, enterrando todas elas até não sobrar ponta.

Procurou olhar para qualquer lado em que não fosse possível vislumbrar as asas e os corpinhos escuro-acinzentados pousados em cima de seu corpo. Aquelas coisinhas de pelo úmido e face repulsiva. O demônio fragmentado em pelo menos cinco ou seis morcegos que guinchavam num som estridente como se a dor de ser drenado fosse deles, arrancando seu sangue como tubinhos de ponta afiada inseridos na carne inerte.

Até se erguerem como se afastados pela ventania da noite que acabava, convergindo-se todos numa forma enganadoramente humana, no demônio que se chamava de Giovanni.

Sem uma palavra ele estendeu a mão para puxar a sua, deixando Ariel apoiado de lado no dossel da cama.

Apesar dos furos na pele, das feridas escorrendo sangue até que manchassem os forros da cama a dor resumia-se apenas em uma leve ardência. Claro que se sentia fraco, querendo cair naquela cama e não se levantar por pelo menos dois dias inteiros, no entanto sabia que ainda podia ser pior. Se fosse algo insuportável já teria caído no chão, aos pés dele.

A criatura se sentou atrás dele, num divã cor de vinho próximo á um espelho na parede vermelha acima de uma lareira de pedra, apagada, coberta por uma preta proteção de ferro. Ele folheava uma bíblia aberta no suporte da lareira, movendo as páginas meramente com movimentos da cabeça.

O mundo ficara mais sombrio desde que descobriu que vampiros podiam usar magia.

- O que está procurando? - Ouviu a própria voz sair como se não fosse sua. A sensação de semelhança nas memórias, quase como um déjà-vu o fizeram questionar a mesma coisa a si enquanto também fitava as páginas repletas de letrinhas miúdas.

Não devia ter feito aquilo. Giovanni dificilmente lhe dirigia mais que algumas palavras por dia, quiçá estava lá para responder suas perguntas. Mas, em sua defesa ao se encontrar de novo com aquelas palavras pareceu que havia voltado no tempo, com Andressa longe e Sebastian perto.

Indagou mais foi para as próprias páginas que pareciam encara-lo, exigindo satisfações.

Giovanni ficou parado e quieto por alguns segundos, quase um minuto, notoriamente surpreso. Depois virou o assento para frente, com um estalar. Ele sorria, parecendo animado com a audácia do escravo de sangue.

- Pureza. Verdade... Solidez. - Respondeu, vagarosamente - Há mais disso aqui do que até o mais fiel dos devotos seria capaz de apontar.

Ele estava certo. Mais que a metade de Ariel concordava com isso, ainda que agora duvidasse de tanta coisa relacionada a vida de Sebastian... A vida da qual fizera parte.

Mas por que diabos um vampiro diria e acreditaria nisso? Será que estava a procura de alguma redenção? Não seria o primeiro. Já havia encontrado outros assim. Aqueles que não lutavam tanto pela própria existência quando ele os encurralava.

Bem, pensou, rindo dentro da própria cabeça, se fosse isso ele poderia ajudá-lo.

- Lamento por não poder tocar, por parecer que é rejeitado por Ele - Ele não só parecia ser, ele era. Mas lamentava por Giovanni assim mesmo. Se nem o Divino tinha como tolerar o que havia se tornado, então que chance de qualquer remição ele poderia ter? Onde mais procurá-la?

Não entendia porque estava se colocando no lugar dele. O monstro que o escravizava, tirava o quanto quisesse de seu sangue só para retribur quando e se tivesse vontade.

Mas era difícil não fazer isso quando, mesmo em meio a tanta perversidade captava uma grande verdade estampada em sua expressão. Contudo isso não queria dizer que não podia se aproveitar daquilo também.

After AlgeaOnde histórias criam vida. Descubra agora