Sic mvndvs creatvs est

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Sic mvndvs creatvs est

Ao dirigir-se para a entrada daquele buraco escuro, o menino teve a sensação estranha e melancólica de que estava adentrando em um outro mundo. Estava bastante escuro ali dentro e frio.

     Se aproximou de um ambiente muito parecido com o inferno. Era escuro, porém, às vezes frio e silencioso. Ouvia-se gotejar no fundo daquele corredor, e as paredes escorriam um líquido viscoso. Os seus passos ecoavam. O pé do menino tropeçou em algo longo e calibroso no chão que julgou ser um amarrado de fios do laboratório, ou raiz de alguma árvore. O medo consumiu seus olhos.

     Estar sozinho naquele corredor que aparentava não ter fim o fez recordar dos tempos em que passou por uma solidão fria e silenciosa. Agora ele tinha a mesma idade de quando tudo isso começou. Não uma solidão por estar afastado das pessoas, mas sim porque não conseguia estar sozinho consigo mesmo de forma saudável. Essa época amargurou o coração de certo modo que desejou pôr um fim em sua vida. Todas as vezes em que o garoto se desligava do mundo e seus olhos cerravam em um escuro denso e atmosférico seu corpo apagava. Sua mãe rezava para que voltasse com vida. Esperava que acordasse. Às vezes durava uma eternidade. Às vezes nem tanto. Mas o tempo era impetuoso e castigava com ardor a pobre mãe. Quando o filho retornava, ela o abraçava forte. O garoto não entendia. Mas sabia quando estava preste a entrar em um buraco.  

     Era estranho tudo isso.

     O mesmo ruído que o cativou e arrastou seu corpo para dentro do buraco seguia incessante. Este o anestesiou e levava seu corpo para mais fundo dentro daquele corredor. Olhar para trás ou para frente agora era um rumo só. Mais e mais fios pelo chão eram pisados e o menino já não se assustava com isso. De todas as vezes em que tentou encontrar o fim do corredor essa sem dúvidas foi a ida mais longa.

     Depois de retirar sua mão da parede, um doce aroma penetrou em suas narinas. O menino sabia que estava mais longe do que as outras vezes. O aroma era familiar e muito forte.

     De longe, ele viu o que mais parecia com uma luz. Uma luz vermelha. Se aproximou com passos lentos e pesados. O feche de luz foi ganhando forma e começou a embaçar sua visão igual espelhos após um banho quente. Sua visão estava esfumaçada como um pôr de sol nublado e abafado. Parecia um sonho. Sua visão permanecia embaçada como um déjà vu, como se já tivesse visto aquilo, aquela cor vermelha, aquela mesa que surgiu no meio do nada, mesmo nunca tendo chegado tão longe. A mesa era uma pedra escura quase arroxeada. Daquela mesa, os fios do corredor surgiam.

     Aquele era o único lugar em que se podia enxergar? Os olhos não estavam mais cegos, pois agora não havia mais escuro. As paredes daquilo que mais parecia uma caverna tinham tons vermelhos escuros. Sobre a pedra havia algumas velas, ou o que lembrava velas, que clareavam amarelo sobre o vermelho já dito.

     Os fios que brotaram da mesa lentamente encaminhavam algum tipo de líquido. As raízes pulsavam. As pequenas velas que brilhavam amarelo eram na verdade, após concluir com um olhar mais preciso, flores das raízes. Essas flores mexiam-se devagar enquanto lançavam um pólen luminescente.

     A visão dele pairava sobre tudo o que já fora dito.

     O coração batia forte.

     Os pingos gotejavam.

     Aproximou-se da pedra e tocou as flores. Viu o pólen subir e seu brilho acendendo como fogo. O ar dobrou-se em uma estranha forma como se houvesse uma pressão muito forte sobre aquele lugar

     O pólen subiu como uma cortina e, por detrás dela, um ser.

     A atmosfera daquele ambiente se transformou rapidamente. Aquela sensação ruim que sentiu ao entrar na sala, de que havia algo ali, apertou a garganta, paralisou seu corpo. Sua alma foi roubada. Ali, seus olhos viam o que nenhum homem já viu. Nenhum ser vivo existente já presenciou uma criatura como aquela.

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