Cinza II
Houve silêncio por um breve instante no tempo. Era assustador. Um sonho tornou-se sem graça. Ele partiu.
Sentia que havia algo ali com ele. É essa a sensação. É isso que eu sinto. As coisas belas em um sonho se tornam pesadelos, porém o sonho continua inocente e belo aos minúsculos detalhes. E mesmo que se mantenha a singela sensação de sonhos de infância, existe algo que me faz sentir inseguro.
Ele partiu. Após se levantar, o menino traçou o caminho em direção à estrutura de concreto cinza bruta quase irreal, como se não fizesse sentido estar erguida ali. O menino notou que as pegadas que lhe perseguiram na floresta tornaram a ser ouvidas, mas agora mais perto do que antes. Ele não olhou para os lados, apenas seguiu mesmo que seu interior quisesse desviar olhar para fora do caminho. Ele não conseguiu conter o desejo por muito tempo e terminou cedendo. Ele parou e não ouviu mais as pegadas amassando as palhas ao fundo. Olhou à esquerda e à direita. Olhou seu horizonte e seu corpo gelou quando notara que a figura escura que lhe perseguiu pela floresta estava estática o observando.
Era aquele homem familiar. Ele estava com um olhar vazio e assustado. O homem chorou sem expressar choro em seu rosto. Seus olhos fundos clamavam por socorro. A figura escura observava o menino como se estivesse cativado. O rosto sem expressões e desgastado pelo tempo esforçava-se para mover a rima labial, porém de sua boca não saíam palavras. Ele conformou-se que não poderia falar com o garoto, mas seu olhar, que parecia estar preso sob a pele imóvel, não dizia isso.
O menino correu. Correu como a Mulher. Fugiu para bem longe da presença do homem familiar. Era estranho. Quanto mais distante se afastava da figura, pôde perceber o quão estranho tudo aquilo era, de certo modo. Ele olhou para trás e o viu se derramando em lágrimas, como se estivesse liberto da pele rígida. O homem chorava como um perdedor. Chorava tanto que seus ombros balançavam. Como se tudo dele fosse perdido. Como se sua última chance em fazer contato com o menino fosse desperdiçada. Como se o menino fosse o único que poderia lhe atender. Era lamentável ver que ele perdeu mais uma vez.
O menino em fim chegou às escadas do retângulo e pôde ver o quão grande aquela estrutura era. De longe, ela não parecia ser tão grande assim, mas de perto parecia ter dobrado de tamanho. Pôs seus pés nos degraus e entrou por uma enorme porta de vidro quase invisível. Não hesitou. Meteu-lhe a cabeça pelo vão da porta e dera uma rápida olhada. Um salão de espera quase sem fim de tão grande que era. Mas tudo estava tão revirado e sujo. Parecia abandonado. Ele caminhou lentamente pelo chão que estava repleto de destroços de concreto para não atrair atenção indesejada. Ele parou em frente a parede de vidro.
Olhou o céu, as árvores, o trigal.
Viu o homem parado ali, um pouco longe.
Não podia voltar mais.
Passou um bom tempo observando os detalhes. E mais uma vez o menino pegou-se pensando naquele homem, em como ele era tão familiar a ponto de isso ser tão estranho. Era lamentável como se mais uma vez perdesse a oportunidade de sair dali, como se o barco que velejava o arrastasse para longe.
Em um golpe inoportuno, a sensação que fazia sua cabeça doer e riscar como um glitch tocou um ruído bem no fundo do salão, — agora ele tinha a mesma idade de quando tudo isso começou. O barulho contínuo o cativou e arrastou seu corpo por todo salão até levá-lo para uma porta. O menino empurrou a porta e deparou-se com um laboratório revirado, com luzes piscando, fios soltos e uma poça de água pelo chão. Vários materiais estavam por todo o chão. O ruído que cativou o menino era eminente de um buraco feito na parede do laboratório, que dava acesso para uma parte não visível, quase sem fim. A entrada do buraco estava manchada com musgo avermelhado.
Ao dirigir-se para a entrada daquele buraco escuro, o menino teve a sensação estranha e melancólica de que estava adentrando em um outro mundo. Era bastante frio.
O homem no trigal desprendeu seu corpo de si e o lançou ao chão.
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Mexisc-e
Short StoryEste livro é a adaptação de um surrealismo que obtive enquanto dormitava em inquietos sonos. Há cerca de 4 anos atrás eu me deparei com algo que mudou minha vida. Eu não conhecia sua origem nem mesmo seu nome. Mas fez parte de mim durante todos esse...