Vovó Iolanda

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Eu finalmente havia conseguido uma bolsa pra trabalhar no Rio, no centro. Era um prédio ocupado por pessoas que moravam nos arredores, também gente que tinha vindo de longe, ainda que poucos. Era uma comunidade de pessoas debilitaras, desassistidas, mas fortes e obstinaras a ficar. Faltava pouco para conseguir a legalização da permanência das famílias e me haviam contratado pra ajudar com a saúde mental das pessoas. Eu já vinha atuando como psicólogo por dez anos, naquela época, em projetos sociais de duas diferentes ONGs, mas resolvi me dedicar inteiramente ao projeto no Mangabeiras.

Na frente do prédio, ajeitei as pernas do cadeirante que ficava olhando o tempo todo para dentro do edificio. Ele parecia determinado a vigiar a entrada do lugar e eu não me opus. Lá dentro, encontrei uma senhora chamada Iolanda. Eu ouvi falar muito dela. Tinha oitenta anos e estava muito bem de saúde, era faladeira e contava histórias e mais histórias sobre o bairro, sobre sua vida e os cariocas que cruzaram o seu caminho. Ela morava no primeiro andar, em um apartamento de fundos. Disse que não queria ouvir o barulho da rua, que preferia ficar nos fundos e ter a janela virada para o muro da fábrica de sapatos. Bati lá e ela me recebeu com muita simpatia. Fui convidado para tomar um café, comer bolo e bater papo. Tive um deja vu.

- Eu sou o Matheus, como falei pra senhora. Matheus Quintanilha. Sou o psicólogo do projeto e tô aqui pra conhecer os moradores e oferecer meus serviços.
- E por que eu ia precisar de um psicólogo?
- Porque amigos dão péssimos conselhos, Dona Iolanda!
- Ah, mas isso pode ser uma verdade.

Rimos. Sentei no sofá coberto por uma capa azul turquesa e com almofadas combinando, esperando pelo café que ela havia saído pra preparar. Quando voltou, eu olhava algumas fotos sobre a arca, que ficava na sala.

- Sua família é grande.
- Uma boa parte morreu já. Essa loira aí é minha filha. O pai era alemão. Puxou todinha ele. Ela mora na Itália, acho. A gente não se fala tem bem quinze anos. Ela se chama Moira.
- Uau, é muita distância. Por que ela não vem aqui?
- Porque aqui não tem nada que interesse ela. Aquele ali atrás dela é o irmão, o Róbson. Eles não se falam mais. Ele também não vem aqui. Disse que aqui é estranho e que eu mereço o lugar onde eu moro, que a gente se parece muito, esse lugar e eu.
- E por que ele é hostil assim?
- Porque ele acha que eu não fui boa mãe, boa mulher. Boa pra nada. E ele não deve tá errado não, moço. Eu sempre gostei mais de mim do que de todo mundo. Isso desde criança. Eu me lembro bem.

Dona Iolanda tinha uma fala engraçada, uma voz envelhecida e que sempre enrouquecia, até que ela pigarreava e voltava ao normal. Tinha ânimo de ciranda e ria de si mesma, quando se ouvia. Eu disse que precisava pegar um café e que voltaria no fim da tarde, para ela me contar como era aquilo de gostar mais de si, desde criança. Ela sorriu e piscou pra mim, galanteadora. Sai em direção à cafeteria e fiz realmente tudo que tinha, pra que à tarde pudesse revê-la. Eu não estava confundindo. Eu tinha certeza. Estava tudo muito claro. Suei um pouco de sangue na blusa de linho.

- Dona Iolanda.
- Não é que você voltou.
- Eu sou um homem de palavra.
- Imagino. Estou acostumada. Os homens sempre voltam.
- Ah, é? Quer dizer que você é irresistível?
- Pode apostar, garotinho.

Sentei-me diante dela e rapidamente fui servido de um copo de limonada. Não pude recusar. Ela se virou e voltou para o sofá, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Muito açúcar.

- A senhora ficou viúva quando?
- Heinrich morreu há quinze anos. Eu tinha acabado de fazer 69 anos. Foi uma merda. Uma choradeira. E ele não gostava dessas coisas. Sabe, né, alemão é mais duro que a gente. Eles não quebram assim. Só uma coisa quebrava o Heinrich, o choro da Moira. Quando a menina chorava, o mundo tinha que parar. Era um drama. Ele ficava realmente perturbado. Ninguém podia fazer nada contra a filha dele, sem que ele travasse uma guerra por ela.
- E isso incomodava a senhora?
- É claro. Ele não deixava a gente educar a menina. Não é à toa que ela arrumou um marido besta, cheio da grana, pra ela mandar e desmandar. Não brinca em serviço. O homem come na mão dela. Um frouxo. Tão casados há dez anos. Valha-me Deus, mas que bom que o Heinrich não conheceu essa situação. Ele ia azedar de desgosto de ver um homem se rastejando atrás duma mulher, daquele jeito. Ela não quer nada comigo, porque ela sabe que eu não afrouxo pra ela.
- Não se perturbe. Mas se fizer alguma diferença, escreva uma carta. Ainda é uma boa forma de recomeçar as coisas. Mas só se lhe interessar, claro. Às vezes, não podemos ir até onde gostaríamos, por N motivos. Então, a questão é ser honesto consigo. O que a senhora quer dessa relação?
- Eu acho que tá bom como está.
- Então, que assim seja.

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