Oi (de novo!). Sou eu, a Layla – como a música do Eric Clapton (sim, meus pais se inspiraram nesse triângulo amoroso entre um beatle, a namorada dele e o melhor amigo para escolher meu nome). Tenho 16 anos. Sou bem comum, normal mesmo. Não tenho nenhuma habilidade extraordinária ou algo que me destaque dos outros. De verdade. E não acho isso ruim.
Sou aquela garota que se dá bem com diferentes grupos na escola. Sou boa aluna, ajudo quem precisa, gosto de matemática e história, entrego trabalho no prazo, passeio no shopping, jogo online, vejo série e amo ler. Sou uma leitora voraz, como diz minha mãe. Tô sempre acompanhada de um livro, como fala meu pai.
Sou libriana (a astrologia é minha pseudociência de estimação e não tenho vergonha de admitir), filha única, criada num lar estruturado e com acesso a muita cultura. Cinema, museu, show, teatro, sebo, sarau literário e livraria fazem parte dos destinos de passeio em família. Na minha casa todo mundo ouve música o tempo todo. Eu mesma tô ouvindo Layla para fazer esse resumo sem graça sobre quem eu sou... Achei que o tema do diário ia ser livre, mas estamos aí, fazendo a tarefa! Te falei, Angélica, sou uma boa aluna...
Então, moro num apartamento pequeno e confortável em um condomínio sem luxo. Não tem piscina, quadra, academia. Moramos no 10º andar e a vista é muito boa. Meu pai trabalha com T.I. (tecnologia de informação) e minha mãe é revisora de texto. Nossa casa é carinhosa e ironicamente chamada de República Socialista do Nosso Lar. O lema é que todo mundo é responsável pelo ambiente que ocupa. Isso quer dizer que meu pai e minha mãe se alternam na faxina, na cozinha, na organização porque assim todo mundo ganha. E eu faço a minha parte – nem sempre de boa, mas costumo fazer. Reclamo às vezes e nem sempre faço tudo, confesso.
Minhas principais responsabilidades são manter meu quadro arrumado, limpar o banheiro que uso, não deixar minhas coisas espalhadas pela casa, lavar a louça do almoço. Também sei me virar razoavelmente na cozinha. Ainda assim é óbvio que minha mãe é a pessoa que organiza a maior parte das coisas, pra fazer o dia-a-dia funcionar, mas a divisão de atividades domésticas na nossa república socialista é infinitamente mais equilibrada do que nas casas que já frequentei. Eu acho que isso é um privilégio.
Me considero feminista, justa e indecisa. Já fiz natação, patinação e jazz. Não sou meiga ou delicada. Sou direta e sem frescura. Não tenho nojo de insetos, não grito histericamente quando uma abelha se aproxima de mim, não tenho medo da bola na aula de educação física e sei como cair no chão sem me machucar demais. Aprendi isso patinando e nos treinos de rollerderby (já ouviu falar? é um esporte de contato sobre patins; outra hora te explico melhor o que é).
Também sou curiosa, não ligo pra marca, raramente uso maquiagem, não gosto que mexam no meu cabelo sem permissão e não faço dancinha em rede social. Não uso óculos e nunca precisei de aparelho.
Não sou bonita, mas também não acho que eu seja feia. Não me acho gorda, mas sei – porque tenho espelho em casa – que também não tenho o melhor dos corpos porque sou alta e grande. E quando digo grande, não é que eu me veja imensa e sofra de algum distúrbio, mas não sou miúda. Tenho as costas largas, cintura fina e quadril largo espalhados por 1,72 de altura... Uma coisa meio Khloé Kardashian nas primeiras temporadas, sem produção, sem filtro, sem plástica, sem afetação e com um cabelo despenteado.
Sei que meninas com esse biotipo não são vistas como gostosas pelos meninos. Pelo menos não na minha idade. Mas isso não me impede ter crush por aí. É fato que eles não chovem na minha porta, não pedem meu perfil sempre nem mandam direct com elogio e emoji com duplo sentido com frequência. Mas também não sou considerada uma opção para se jogar fora porque vez ou outra rola uma pegação. Isso quer dizer que já fui a amiga que foi beijada no final da festa; a garota inteligente que beija o cara popular que não entende a matéria e precisa de uma explicação extra depois da aula. Já beijei atleta, o amigo feio do carinha gato cheio de seguidores, o esquisito... De repente eu sou aquele tipo que não tem preferência, mas também não sou carente. Não aceito qualquer um até mesmo porque sei que, comigo, a reciprocidade nem sempre é verdadeira quando se trata de assuntos amorosos. Talvez por isso todos esses meninos precisaram, invariavelmente, me conhecer antes. Sou aquele tipo de pessoa que você conversa, troca ideia e daí vai se interessando.
Sabe aquela combinação de jeans, camiseta e all star? Básica, de boa, aceitação na média por por uma pequena parcela de pessoas, atende diferentes estilos e nunca sai mal falada na história. Então, essa sou eu. Ou melhor: era eu até me transformar numa camiseta meio puída com uma calça rasgada no meio da bunda e os pés descalços. Sabe aquela roupa que ninguém quer, que de tão suja parece envenenada? Talvez essa seja mais eu de uns tempos pra cá, uma alternativa menos básica e mais radioativa... Como a música do meu nome. Tem a original (que era boa!), mas isso não impediu de surgirem covers de mal gosto ou versões duvidosas.
PS1. quero te explicar o rollerderby pessoalmentena próxima sessão.
PS2. essa versão acústica de Layla é tão boa quanto a original.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A amiga tóxica
Teen FictionUma história real disfarçada de ficção que fala sobre amizade, feminismo, primeiras vezes e relações tóxicas. Layla tem 16 anos. É uma garota que gosta de música e se acha bastante normal. Esse é o diário que a psicóloga dela pediu para que ela escr...