O treino foi foda. Minha cabeça estava a mil, respiração ofegante... Eu estava totalmente focada em dar o melhor, não fazer cagada, não passar vergonha e impressionar a Fábia. Não sou idiota e só pelo jeito das meninas, me liguei que se eu quisesse fazer parte do time, eu ia precisar da aceitação dela.
Demos algumas voltas na pista, Henrico corrigiu minha postura umas dez vezes. Eu patinava ereta, tipo bailarina. E pro derby é preciso patinar agachada. É difícil. Henrico me mostrou como fazer e usou Nalu e Lina de referência. Minha lombar e minha barriga doíam muito! Gi, acho que sensibilizada pela minha dificuldade, se aproximou e disse baixinho "Patina como se estivesse usando banheiro de festa. Senta o máximo sem encostar!".
A dica foi boa e me ajudou. Antes do último exercício do treino, paramos para beber água e Bianca veio conversar. Me elogiou, disse que eu estava indo bem por ser minha primeira vez. Fez uma comparação com seu desempenho, disse que começou a aprender a patinar há um mês. Expliquei eu patinava antes, que tinha feito patinação artística. "Sabia que tinha um segredo! Gente, Layla já sabia patinar e sabe dançar de patins! Há esperança pra mim!", gargalhou.
Fábia não teve expressão nenhuma no começo. Paty e Vanessa me perguntaram se eu dava alguns saltos. Falei que sim, mas que fazia tempo que não praticava e que provavelmente ia me estatelar se tentasse agora. Gi me perguntou se eu patinava de costas. Respondi que sim e ela pediu pra eu fazer, mobilizando o time pra assistir. "Ei, coach! Layla patina de costas! A gente quer ver!". Fui até a pista e fiz. Braços levemente arqueados na altura dos ombros, queixo erguido, dedos indicando, olhar acompanhando o movimento. Patinei nos dois sentidos e disse que pro lado esquerdo era mais difícil porque sou destra. O time, com exceção de Fábia, aplaudiu puxado por gritos de entusiasmo de Bianca.
Angélica, juro que eu não estava me achando! Eu nem sabia que ali ninguém sabia fazer isso! Na patinação artística, patinar de costas é uma das primeiras coisas que a gente aprende. Não é extraordinário. É tipo habilidade básica. Mas não vou me mentir. Não me achei, mas ver aquelas meninas que pareciam tão fodas felizes com algo que eu fiz, me deu uma sensação muito boa. Me senti acolhida, valorizada e achei que poderia contribuir com o time. Henrico, que parecia ainda menor do que eu, me abraçou de lado apertando minha cintura e falou "Uau! You've got me on my knees, Layla! Agora não tem desculpas! Quero todas patinando de costas... No próximo a senhorita Clapton vai dar umas dicas e me ajudar, mas hoje, pra encerrar, hora de minimal skill."
Eu sorri e achei legal demais ele usar um trecho da música e me chamar de Sra. Clapton. Eu ia responder "I'm begging, darling, please...", mas Fábia me interrompeu e perguntou "Clapton quê?". "Você não conhece, Fa! Bora pra pista, muherada!", ele respondeu.
Para jogar roller derby, há uma lista de habilidades mínimas (minimal skills) que a jogadora deve cumprir antes de participar da partida. Acho que é tipo um teste pra ver se você consegue sobreviver à pancadaria e, do ponto de vista de velocidade, espera-se que a jogadora consiga dar 27 voltas em 5 minutos. Foi isso que fizemos. Henrico deu start no cronômetro e cada uma contou quantas voltas conseguia dar.
Eu estava muito animada. Henrico ter associado meu nome à música, a possibilidade de ter um derby name, o aplauso da patinação de costas... Entrei na pista com gás, tesão mesmo. Dei o meu melhor e meu coração quase saiu literalmente pela boca. No final, todas quase mortas deitadas no chão, Henrico abriu abriu um caderno e anotou o resultado individual fazendo comentários sobre evolução, se manteve o ritmo ou regrediu.
21 voltas, Angélica! Sabe o que é isso? Eu fui foda demais pra quem nunca tinha feito aquilo. Me senti muito bem comigo mesma, senti que eu ia somar no time. A emoção era tanta que nem ouvi o sermão do coach dizendo que a Fábia deveria se esforçar mais porque, das jogadoras mais antigas, foi a única que regrediu. Só fiquei sabendo disso porque, enquanto tirava os patins e calçava o tênis, Bianca veio me contar.
"Meu irmão é besta mesmo. Foi falar que a Fábia não evoluiu... Certeza que ela vai ficar putinha, dar um gelo nele e daqui dois dias ele tá feito cachorro atrás dela. É besta mesmo!", falou Bianca. Respondi que relacionamentos são assim (até mesmo porque eu não sabia o que dizer!). Ela continuou e disse que a Fábia tratava o Henrico muito mal e que a Fábia sempre a desencorajava, mas que logo ela estaria dando mais voltas que a Fábia. Encerrei o assunto falando "Amor de cunhada é desse jeito!". Bianca respondeu "Credo! Amor pra mim só o Dedé, meu namorado!" e me ofereceu carona. O namorado, André, vinha buscá-la. Disse que a Gi iria junto. Eu aceitei. Logo em seguida o André (namorado) chegou. Ele estava acompanhado do João (aquele cara escroto da festa da piscina que eu te falei antes). Fomos embora juntas... Sim, foi extamente aí que Bianca e eu viramos amigas. Foi exatamente aí que conheci minha derby wife.
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A amiga tóxica
Ficção AdolescenteUma história real disfarçada de ficção que fala sobre amizade, feminismo, primeiras vezes e relações tóxicas. Layla tem 16 anos. É uma garota que gosta de música e se acha bastante normal. Esse é o diário que a psicóloga dela pediu para que ela escr...