O Espelho de Galadriel

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Eu podia sentir sua presença. 

Era pura, como se uma aura de luz a seguisse. Me trazia uma paz que a muito tempo não experimentava, uma calma que não tinha esperanças de sentir. Era bom, e belo.

Esse era o efeito de Galadriel nas pessoas. Pude sentir a própria respiração de Legolas ao meu lado, mesmo dormindo profundamente, se tornar mais calma. Era natural, tanto quanto respirar.

Eu agora podia vê-la, caminhando reluzente sobre a luz, branca como sua vestimenta, ao ponto em que ambas se misturavam, e não era possível distingui-las uma da outra. Ela se virou em minha direção, e nesse momento senti que seus olhos falavam mais do que qualquer palavra dita em voz alta. Eu deveria segui-la.

E foi o que fiz, sem hesitar. Tomei cuidado para ser silenciosa, e não acordar ninguém. Galadriel me chamara naquele momento por um motivo. Ela queria falar comigo, e comigo apenas. 

Eu tentava manter minha mente limpa, tentava confiar que ela me mostraria meu caminho, me daria um grande conselho que poderia virar nossas chances contra Sauron. Que ela me mostrasse qual caminho seguir, ou o que fazer com o anel. Que ela me ajudasse a não me sentir tão perdida, e me livrasse de todos os pensamentos ruins.

E assim a segui. Ela parecia flutuar a minha frente, seus pés não produziam um único som, sem que ela fizesse o menor esforço. Era bela, e eu não podia deixar de admirar isso enquanto a seguia por uma pequena escada. Abaixo havia uma sala, com algo que parecia uma bacia no centro.

- Quer se olhar no espelho?

Eu pausei, confusa. Lancei outro olhar para a bacia, e percebi que a água brilhava como um espelho. 

- O que eu veria? - Perguntei. Isso deveria ser algum enigma. O que um espelho poderia fazer por mim?

- Nem os mais sábios podem dizer. Pois o espelho mostra muitas coisas. Coisas que foram, coisas que são, e algumas coisas que ainda não aconteceram. Não posso dizer o que verá, mas será o que mais precisa saber.

Eu pensei um pouco. Não sabia o que Galadriel pretendia que eu visse, mas sabia que ela não me chamaria ali sem um motivo. Existe algo que ela quer que eu saiba, antes que parta de Lothlórien.

Eu me aproximei lentamente do espelho. Tinha plena consciência de que o que eu visse poderia mudar tudo, mas estava disposta a correr o risco. Eu estava perdida, e qualquer chance de encontrar um caminho seria bem vinda.

Eu olhei para a água, e pude ver meu próprio reflexo. Eu parecia cansada, percebi. Mas não me sentia assim. Talvez fosse a força do anel, ou talvez apenas minha ansiedade e curiosidade sobre o que estava a minha espera. Eu nunca iria saber.

Vi a imagem mudar a minha frente, e repentinamente senti como se não estivesse mais em Lothlórien, ao lado de Galadriel. Eu tinha sido transportada para outro lugar. Arfei ao olhar em volta. Uma batalha violenta se desenrolava a minha volta. Não, uma guerra.

Eu nunca vira tantos orcs, tantas bestas. Me assustei ainda mais ao constatar que não conseguia contar tantas pessoas quanto eu gostaria. Claramente estava em desvantagem. Eu me perguntei o que seria aquilo. Nunca passara por algo do tipo, e aquela claramente não era a batalha dos cinco exércitos. Era um lugar aberto, e eu podia ver um grande portão negro a distância.

Eu olhei em volta, procurando por rostos conhecidos. Imediatamente reconheci Legolas, a alguma distância de mim. Nossos olhos se encontraram por um momento, no que pareceu que ele dava um sorriso encorajador para mim. Mas não durou. Pois no momento seguinte, seu rosto assumiu uma expressão de horror.

Senti meu coração se apertar, enquanto eu me virava, a procura do que lhe causara tal reação. Mas eu senti, antes de ver. Fui jogada ao chão em um segundo, antes mesmo que pudesse ver o rosto de meu atacante.

Não demorou para eu ver uma besta se erguer acima de mim. Durou apenas um segundo. Não doeu. A sensação de formigamento ao invés da dor me lembrou que aquilo era apenas uma visão, mas isso não impediu que um grito escapasse de meus lábios, enquanto a lança me perfurava. O pânico se apossou de mim ao perceber o que acontecia, ao perceber o significado daquilo.

Virei a cabeça para o lado, e vi Legolas. Seu olhar era de desespero, enquanto ele corria em minha direção. Ao longe pude ver Aragorn, que se virava em minha direção, completamente paralisado. Eu não conseguia me mexer. Não sentia nada além do pânico, que continuava se apossando de mim enquanto eu via Legolas correndo. Ele não poderia chegar a tempo. Era tarde demais.

Minha visão começou a ficar escura, enquanto uma sensação calma tomava conta de mim. Eu estou morrendo, percebi, enquanto minhas forças se esvaíam cada vez mais. Fechei meus olhos, ao mesmo tempo que sentia os braços de Legolas me rodeando.

"Não, por favor..."

Foram as últimas palavras que ouvi, antes que acordasse de meu transe. Quase saltei para longe da bacia, meus olhos arregalados. Eu não conseguia falar, as palavras estavam presas em minha garganta.

- Eu sei o que você viu. - Galadriel anunciou calmamente.

Eu finalmente encontrei minhas palavras, enquanto tentava expressar o que eu sentia.

- Então... Esse é meu futuro?

- Atualmente, sim.

- Então, eu morrerei. Não importa o quanto eu tente ajudar, no fim, não estou destinada a voltar para casa. - Eu disse, ainda não acreditando totalmente no que falava.

- O que você viu não foi nada mais do que o caminho ao qual suas atuais decisões a levam.

- O que isso quer dizer? Quer que eu desista da missão? - Eu disse, como se a ideia fosse absurda. Eu sabia que não faria isso, não importava o que custasse. Prometi a Frodo que ele não estava sozinho.

- Aerin, diga-me. Você teme a morte?

- Não. - Eu respondi, prontamente. Sempre dissera para mim mesma que se pudesse fazer a diferença, eu seguiria meu destino de bom grado.

- Não teme o que acabou de ver?

Eu pensei na pergunta. Nunca parecera uma questão difícil para mim, mas agora que eu via meu destino traçado a minha frente, parecia muito mais complicado.

- Me entristeço pela dor que causarei a outros. Não temo o que o destino me reserva. Tudo acontece por um motivo.

- Sim, acontece. Mas o que causará sua morte, será você mesma. Seus pensamentos a matarão, porque ainda vê o mundo pela perspectiva dos outros. Porque se recusa a acreditar no que realmente sente, se recusa a aceitar seus próprios sentimentos.

Nessa hora, a raiva me consumiu. Ela achava que eu queria morrer? Achava que eu não faria o necessário para sobreviver se pudesse? Eu fazia isso porque não havia outra saída. Não desistiria da missão, e nem dos meus companheiros, não importavam as consequências.

- Conheço meus sentimentos muito bem. Não sou ingênua, e não tenho medo. Farei o que for preciso.

Eu sentia o olhar de Galadriel me julgando, como se eu fosse uma criança que se recusa a aprender. Eu não entendia o que ela queria que eu dissesse. Ela queria que eu me desesperasse, ou gritasse com ela?

- Então o faça, se é assim que pensa. - Ela finalmente disse - Mas caso mude de ideia, abra isso. - Ela me ofereceu um pedaço de papel dobrado. - Irá saber quando o abrir. E não verá o sentido se não desejar vê-lo.

Eu peguei o papel, ainda sentindo a raiva me consumir. Eu via minha morte em meu futuro, e ela me dava enigmas e palavras vazias? Eu saía de lá com ainda menos do que possuía anteriormente. Saía com uma sina traçada, com a certeza de que a vida de meus sonhos estava fora de alcance para sempre. Saía com a certeza de que teria que magoar as pessoas mais importantes da minha vida, e que não podia fazer nada a respeito.

Com o coração despedaçado, virei as costas a Galadriel, e saí.

O Retorno do AnelOnde histórias criam vida. Descubra agora