Prólogo

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A chuva caía mansa e constante no fim de tarde, as pessoas passavam ocupadas com si próprias mergulhadas em seus smartphones que protegiam dos pingos com uma mãe protegeria um bebê ou então imersas em seus próprios pensamentos.

Meu salto fazia um ruído suave na calçada, eu andava apressada porque estava me molhando um pouco e quanto mais rápido eu caminhava, mais espirrava água nas minhas pernas. Aquela sandália não havia sido uma boa escolha, mas por outro lado, como eu poderia imaginar que fosse chover no meio da tarde assim? Tinha me vestido com cuidado, usava uma sandália cáqui de salto grosso, calças de alfaiataria bege e uma blusa de seda salmão. Tinha feito um coque baixo e meu cabelo castanho e suave estava preso por uma presilha cor de ostra, um presente de Eduardo que gostava dos meus cabelos presos e sabia que eu os preferia assim também. Usava pérolas nas orelhas e no pescoço, pouquíssima maquiagem e sabia que quem me visse veria apenas uma mulher elegante e discreta.

Entrei no bar e na mesa de sempre, no canto esquerdo, já podia ver algumas das minhas amigas. Elas levantaram a cabeça quando ouviram a porta abrir e sorriram ao me ver. Todas nós faríamos isso até que toda a turminha estivesse reunida. Era uma sexta qualquer de dezembro, antes do Natal, ocasião em que nos reuníamos há vinte anos sempre no mesmo lugar, na cidade onde havíamos crescido, mesmo que hoje nós morássemos em cidades diferentes. Pelo menos algumas de nós.

-CAROLINE! – Era Juliana, uma das minhas mais antigas e efusivas amigas. Não pude me conter sorri e acelerei o passo, correndo para os braços dela.

-Faz séculos que não há vejo! Deus, que saudade de você! – disse com alegria sincera.

-A pessoa se muda para a cidade grande e esquece as amigas! É assim mesmo. Cachorra.

Juliana sempre foi assim, desde que nos conhecemos no colégio. Falava tudo que vinha a mente, fazia tudo que tinha vontade e nunca se escondia de nada e nem de ninguém. Encarava a vida de uma forma tão franca que me fazia inveja.

-Sabe que não é nada disso. Você está ótima! – Os cabelos, antes muito escuros, haviam sido clareados com luzes. Muitas de nós fizemos o mesmo já que como todas estávamos perto dos quarenta, poucas não tinham cabelos brancos. Ela usava um jeans justo no corpo, sapatilhas e uma regata com alças nadador, batom vermelho nos lábios e um sorriso sincero no rosto. Não tinha qualquer ruga. – Sua pele está incrível.

-Vantagens de trabalhar com um dermatologista não é? – falou Priscila, outra de nossas amigas. Uma das mais bem sucedidas. Trabalhava na capital, tinha um cargo político. Fazia o que sempre quis fazer.

-Priscila! Que prazer em ver você.

Nos abraçamos e nos sentamos, as três sorrindo uma para a outra, trocando amenidades por um curto momento antes da porta se abrir novamente e podermos ver Eliane entrar.

Ela se aproximou de nós e novamente abraços, risos e saudações. Isso ainda se repetiria algumas vezes.

-Somos apenas nós quatro por enquanto?

-Soraia já está aqui, foi ao banheiro retocar a já perfeita maquiagem e Renata também está aqui, foi dar um abraço no Raul.

-Não os vi quando entrei. – Raul era o proprietário do bar, desde quando começamos a freqüentar ele, sei lá quantos anos antes. Porém na época ele era filho do dono.

-Provavelmente ela foi lá pro estoque dar uns pegas nele igual ano passado, vocês lembram? – Juliana trouxe a lembrança a tona e todas rimos porque no ano passado, preocupadas com o sumiço da Renata acabamos procurando ela e a encontrando nos braços do Raul, dando uns bons pegas.

-Renata é terrível. – eu disse, mais para dizer alguma coisa do que realmente por achar.

-Semana passada peguei um vendedor lá no Empório e acabei lembrando da situação. Mas tive sorte, ninguém chegou pra presenciar minha indiscrição. – Eliane falou, um sorriso satisfeito no rosto.

-Hum... Pelo jeito a pegada foi boa né? Rindo até agora. – Priscila falou com ar de troça, provocando.

-E não foi? Olha vou falar pra vocês, fazia tempo que não dava uma tão bem dada. Com certeza com o inútil do meu ex marido nunca dei.

-Conta como foi para nós então. –Juliana pediu curiosa.

-Conto tudo! Mas antes deixe que eu peça alguma coisa para beber.

-É bom que dê tempo Soaria e Renata aparecerem. –eu disse e como se esperasse uma deixa elas surgiram juntas em nossa direção, vindas dos banheiros.

Soraia estava belíssima, como sempre aliás. O cabelo louro bem escovado, os olhos serenos, a pele impecável. Usava pérolas, como eu, mas o colar dela era longo e dava um volta no pescoço. Ela sempre foi fã de saltos altíssimos, como o que ela usava hoje. Preto, o solado vermelho e algo dizia que não era uma imitação. Usava um vestido preto e justo, uma roupa que se adequaria melhor a um cenário noturno, no entanto, logo iria escurecer não é mesmo? Ela falava baixo e com muita clareza sempre, era óbvio para qualquer um que ela era uma mulher acostumada a falar em público e muito bem sucedida. O esposo dela, depois de dois mandatos como senador, tencionava se candidatar ao governo do estado. Se fizesse isso mesmo, eu votaria nele com certeza.

-E do que estamos falando? – ela perguntou enquanto cumprimentava com um abraço as meninas que ainda não tinha visto.

-Dizíamos que Renata deveria estar no estoque, dando pro Raul como todo ano. - Priscila falou, olhando no celular, como quem não quer nada.

Renata se jogou de qualquer jeito na cadeira, cruzou as pernas como um homem cruzaria, o tornozelo no joelho, passou a mão pelos cabelos curtos e riu.

-Que maldade! Não é todo ano, foi apenas ano passado, mas se ele der mole, pego de novo. Olha como ele tá gato? Envelheceu bem né?

-Não acho que ele seja velho, é pouco mais velho que nós. – eu disse.

-Amiga, a gente ta batendo os quarenta. – Juliana falou.

-Pois me sinto com vinte. –devolvi sorrindo.

-Acho que é porque você não tem filhos. Sinto que quando os gêmeos nasceram fiquei velha na hora de tanta preocupação. – Soraia falou.

Todas rimos porque Soraia era de longe a que parecia mais jovem entre nós. Disse isso a ela que respondeu simplesmente:

-Botox amada.

Eliane apareceu e trouxe como por mágica os garçons com bebida, todas iríamos tomar cerveja e apenas isso por enquanto.

-Vai Eliane, conta da sua trepada. – Juliana pediu animada.

-E conto! Foi semana passada acredita? Um fim de tarde de chuva, como esse de hoje. Bem parecido com agora.

Refrão Sobre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora