16 de fevereiro de 2022, quarta-feira, Rio Grande do Sul
Não havia ninguém no campo.
Repito, eram quatro horas da tarde de uma quarta-feira, exatos dois meses antes das classificatórias entre o Instituto Perseverança e o Boaventura que determinariam qual time iria para as nacionais, e não havia ninguém no campo.
Tudo bem, eu admito que já passou da hora de eu tratar sobre um certo assunto.
O fato de eu ser incapaz de desviar os olhos da curva do pescoço de Julieta? Sinto muito desapontar, mas não será dessa vez que eu vou falar sobre a minha atual proximidade com Nárnia.
Não, não, meu maior problema no momento eram os treinos de futebol do time feminino.
O espaço físico era ótimo, a quadra ficava a cinco minutos a pé dos dormitórios e a apenas alguns metros do vestiário e, dois anos atrás, isso teria sido mais que o suficiente.
O problema, que eu descobri logo no primeiro treino da semana passada, era que absolutamente nenhuma menina além de mim havia treinado durante a Pandemia. O primeiro jogo foi um show de horrores: Alessandra (uma das atacantes) caiu logo de início e foi pra enfermaria, três garotas cancelaram a matrícula (incluindo a antiga capitã, que se transferiu para a equipe de basquete), deixando o time sem reservas, e, para finalizar, eu consegui fazer dois gols sem nem estar tentando direito e sem ter uma das minhas atacantes.
Respira, inspira.
Isso foi capaz de desmotivar até a Sra. Martinez, nossa treinadora, que amava discursar sobre como podíamos jogar tanto quanto os meninos.
Eu odiava admitir, mas nós não jogávamos nem de perto como os garotos. Não por sermos meninas, é claro, mas porque não estávamos nem tentando direito. Assisti um treino do time masculino do segundo ano na sexta passada, e ficou óbvio que eles não só haviam mantido a forma durante o isolamento, mas alguns haviam melhorado, muito. Nathan, o capitão do time, percorreu dois terços do campo em vinte e dois segundos.
Só com ele na equipe, já era certo que eles seriam escalados para a liga nacional. E enquanto isso, na enorme quadra reservada momentaneamente para os treinos do time feminino, não havia uma única alma viva além de mim. Qual era a desculpa dessa vez? Estar garoando? Era até melhor, não dava calor.
Chutei a trave, de leve, e então me joguei no chão, deixando que as gotas lentamente consumisse minhas roupas. Passei a pandemia inteira treinando sozinha, e agora treinaria sozinha de novo? Para que, a final de contas? Ninguém parecia tão empolgada com isso quanto eu. Podia ser um hobby para elas, mas era o ponto central da minha vida. E eu não era Nathan. Não levaria o time nas costas, ainda que quisesse muito.
A vida não era muito justa.
Depois de a chuva já ter passado e do que podia ter sido dez minutos ou uma hora, ouvi uma voz acima de mim.
- Hum. Yelena?
Abri os olhos e, quando vi quem era, sentei: Ariadne, uma das três garotas-limusine. Me senti quase lisonjeada por ela saber meu nome, o que era ridículo, já que nos conhecíamos a doze anos.
Levantei, desdobrando minha camiseta e tentando infrutiferamente parecer menos patética.
- Ah, sim? É hora de algum outro esporte treinar? Desculpa, acho que eu perdi um pouco a noção do tempo...
- Não, não – ela se apressou em dizer – É que.. eu achei que o time de futebol estivesse aqui agora?
Como eu poderia explicar para ela, de um jeito não humilhante, que o time de futebol estava falido?
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Princesinhas | ⚢
RomanceUm internato para a realeza, duas princesas muito iguais e muito diferentes. Uma se esforça para ter um futuro jogando bola, apesar do julgamento da sociedade; a outra constrói sua popularidade de festa em festa, apesar do pretendente controlador. A...