1. Primeiro dia de aula

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31 de janeiro de 2022, segunda-feira, Rio Grande do Sul

Tinha esquecido de como odiava o barulho – e a altura do som - do despertador do Internato.

Era um tipo só para todos os comandos: troca de aula, horário de almoço, toque de recolher; sempre o mesmo "béééém" ensurdecedor e insuportável, de sete segundos de duração, que tornava não só a tarefa de continuar dormindo, como também a de acordar de bom humor, impossíveis.

Me obriguei a levantar e realizar meu ritual matinal – que, dentre outras coisas, envolvia ficar encarando o azulejo verde-água do banheiro até sentir que minha alma retornara ao corpo – para então voltar a atenção ao novo uniforme, localizado na beirada da penteadeira.

Um sorriso digno de propaganda de aparelho fixo se abriu em meu rosto.

Era cinza!

Vasculhei em minha mente quem era a princesa do Rio Grande do Sul. Ou seria um príncipe? Quem quer que fosse merecia um beijo.

Ignorei deliberadamente a saia, meia calça e blusinha cropped (não conhecia nenhuma outra escola do país que aceitasse essa vestimenta como protocolo, mas até aí, também não conhecia nenhuma outra que aceitasse membros da realeza), focando na camiseta e ficando em dúvida entre a calça jeans e a de moletom – tudo, obviamente, cinza e com a insígnia do Internato. Acabei por decidir pela de moletom, catando as clássicas botas de couro sintético e percebendo tarde demais que deixara a escova de cabelo em casa.

Como é que eu ia usar um pente fino sem acabar careca?

Alguém bateu em minha porta e pedi que entrasse.

Um segurança não muito mais velho que eu, um ano ou dois, apareceu no batente.

- Com licença senhorita, meu nome é Gabriel e eu cobrirei os turnos da manhã e da tarde. – ele soava ansioso – Sua mãe pediu que eu trouxesse para você.

Gabriel não parecia muito certo do que fazer com as duas malas de couro aparentemente bem pesadas que levava nos braços, apesar de tentar disfarçar. Já frutos do tempo ócio de minha mãe, eu apostava.

- Pode colocar ali – disse, apontando para um canto vazio do quarto, o mais longe possível – Por favor – completei, lembrando-me de que ainda possuía modos.

Observei seu caminho e então quando ele saiu, silenciosamente. Me lembrava dele: cada aluno na escola de elite possuía um segurança e uma camareira particular, que estudavam na escola no contra turno como consequência – em uma turma separada, é claro - e que tendiam a mudar todo ano. Este, porém, fora o mesmo que eu tive no Mato Grosso, quando estava na nona série, e me perguntava o porquê da repetição.

De qualquer forma, não era algo ruim. Ele sempre foi bem legal.

Consulte a nova grade de horários e coloquei os livros necessários na mala, ignorando a existência de gramática propositalmente – era muito pesado e ocupava muito espaço.

Respirei fundo uma última vez, tentando ajeitar o cabelo com as mãos e deixar os nós nas camadas menos visíveis. Coloquei uma máscara, é claro, porque apesar das vacinas a Pandemia ainda não havia acabado. Abri a porta...

E dei de cara com Miguel.

No primeiro milésimo de segundo, fiquei feliz. Ele não tinha crescido desde o Ano Novo, permanecendo da minha altura – o que já era altura para caramba – e exibia os mesmos olhos verdes e radiantes de sempre.

Eu estava pronta para abraça-lo e em seguida fofocar sobre o último mês quando meu olhar caiu para suas mãos, e murchei.

Ele carregava um buquê de rosas.

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