Ela se encontrava mais uma vez encarando as fotografias de sua família. Faziam seis meses, mas parecia fazer três dias. Faziam seis meses que um incêndio ocorreu na mansão, matando toda a família da pobre Nica, deixando-a só. Solitária.
Por incrível que pareça, apenas Nica sobreviveu, o que poderia soar engraçado, visto que ela é cadeirante. “Como ela escapou?” se perguntavam, alguns tinham teorias de que ela havia colocado fogo na mansão e matado sua família inteira de propósito. Mas não foi, o fogo iniciou-se após uma tempestade enorme, um raio atingiu a casa e então o fogo se alastrou.
Nica não teve culpa. Mas ainda sim, culpava-se todos os dias. Por sobreviver.
Nem mesmo ela sabe como conseguiu escapar, pelo que se lembra, acordou caída no chão em meio a tempestade tarde da noite, estava toda machucada. À vista dos detetives, ela quebrou a janela e se jogou de lá para fugir das chamas. Perigoso, mas funcionou.
Na verdade, Nica apenas conseguia lembrar daquela noite em flashes. Ela estava com sua mãe, sua irmã, o marido dela, a babá e Alice, sua sobrinha. Estava tudo bem, mas então, a tempestade iniciou-se, todos foram para a cama mais cedo, Alice estava com medo e pediu para que sua tia lesse para ela dormir. Foi o que Nica fez, Alice dormiu rapidinho.
Horas depois, do seu quarto, Nica conseguiu sentir o calor. Ela acordou, ainda estava chovendo. “Como pode estar tão quente se está chovendo tanto?” ela se perguntou naquela noite. Então ouviu as chamas queimando. Ouviu gritos, vários gritos, então se desesperou. Sentou em sua cadeira de rodas e tentou abrir a porta de seu quarto, mas o fogo já havia se alastrado pelo corredor inteiro, não tinha como passar sem morrer queimada.
Ela gritou. “Alice!”, “Ian!”, “Mamãe!” ninguém respondia.
Depois disso, ela não se lembrava de mais nada, apenas de acordar molhada do lado de fora da casa, que mais parecia um lugar de filme de terror.
Desde então, as tempestades a apavoram. E ela nunca mais tirou fotos. Algo que adorava fazer. Nica tirou várias fotos de Alice naquele dia fatídico, ela não conseguia mais olha-las. Nunca as revelou.
Nica foi reconhecida muitas vezes em sua vida, suas fotos eram lindas, únicas, eram simplesmente... fascinantes. E não se sabia por quê, talvez fosse a forma que capturava os momentos importantes ou as paisagens perfeitas, ou apenas fosse a forma que escolhia o que seria fotografado. Não se sabe. Mas todos adoram.
O problema é que Nica não tinha vontade de fazer isso. Não queria fotografar, não queria desenhar - coisa que também fazia muito bem -, nem conversar. Mas com quem ela conversaria? A sua vida toda fora privada de divertimentos por sua mãe, ela deixou de ter amigos faz muito tempo.
A sua vida passou a se resumir em: dormir, comer o mínimo possível para não morrer, olhar através da janela por horas e ir para a cama novamente. Todo o dia. Não a fazia bem, mas, sinceramente, quem se importava? Ninguém, de fato.
Os jornais tiveram o nome Pierce estampados em notícias, mas isso foi só nos primeiros dias, agora é coisa velha, ninguém mais ligava. No início, Nica recebia inúmeras mensagens e pedidos de entrevista para jornais e noticiários. Nunca respondeu nenhuma mensagem, nunca deu entrevista nenhuma, nunca foi a público falar sobre, nunca abriu a boca para falar sobre nada. Não era obrigação, ela não tinha força para fazer aquilo.
-A campainha tocou. Ela ouviu de seu quarto. “Estou indo!” gritou, movendo-se pela casa até a porta.
— Nica Pierce? – um jovem perguntou, com uma caixa média nas mãos e uma prancheta.
— Sou eu. – ele lhe entregou a prancheta e uma caneta, ela assinou e o rapaz deu-lhe o pacote.
Ela fechou a porta e olhou para a caixa. Não tinha encomendado nada recentemente, mas lembrou que havia comprado uma nova câmera fotográfica pela internet há uns 8 meses.
Foi até a cozinha e pegou uma faca para abrir a encomenda, expondo uma linda câmera fotográfica ao abri-la. Tinha cheiro de novo, brilhava. Mas Nica não sabia o que fazer com aquilo, do jeito que sua vida estava, todas fotos que tirasse ficariam ruins. A depressão tomaria conta, afinal.
Ou não.
“Se não agora, quando?”, pensou.Pegou suas chaves e sua bolsa, pôs a sua câmera e mais algumas coisas dentro e saiu. O parque não ficava distante de sua nova casa e era muito acessível.
Observou as pessoas. As crianças brincavam no chão, havia alguns adultos sentados em bancos. Nica resolveu ficar ao lado de uma árvore grande, as nuvens formavam desenhos formavam desenhos maravilhosos no céu. Retirou sua câmera da bolsa e a apontou para o céu, capturando algumas fotos. Não ficaram tão bonitas, mas era um começo para quem não fotografava a seis meses.
O parque não era tão encantador ou interessante, mas ele mostrava a realidade. A felicidade das crianças e os seus pais preocupados. Aquilo fazia Nica pensar sobre sua infância, que, só para informar, não foi uma das melhores. Ela nunca chegou a realmente ter um momento daquele com sua mãe, ela era superprotetora demais para deixá-la brincar com outras crianças ou até mesmo brincar na areia. Nica tinha sido privada de muita coisa, tinha sido privada de sentir. E ela odiava aquilo.
Apontou a câmera fotográfica para capturar uma imagem do parque. Dessa vez, saiu perfeita. Única. Como sempre era. Sorriu, pela primeira vez em seis longos meses.
Olhou novamente para as pessoas, e notou que havia uma mulher que não tinha visto ainda. Para Nica, ela era... diferente. Diferente de todas as outras moças ali. Suas roupas eram lindas e pareciam caras, seus cabelos loiros eram magníficos e seu batom vermelho parecia combinar com sua personalidade. Mas ela parecia... Triste. Muito triste. Ela também não tinha um filho, mas ainda sim observava as crianças brincando, o que poderia parecer suspeito aos olhos de qualquer um, mas não pareceu, aos olhos de Nica.
Então a de cabelos castanhos guardou sua câmera na bolsa e retirou o seu caderno de desenho e um lápis de lá, passando a desenhar a mulher loira, que, por alguma razão, lhe deu inspiração. Começou pelo seu rosto, com traços finos, depois o seu cabelo e então seu corpo. Quando Nica tirou seus olhos da folha, a mulher já não estava mais lá.
Nica franziu o senho e olhou ao redor. Ela simplesmente desapareceu? Era coisa da sua cabeça? Talvez. Ela afastou esses pensamentos de sua mente e guardou as suas coisas na bolsa, voltando para casa.
-No seu quarto, ela não conseguia tirar seus olhos daquele papel. Nunca gostou tanto de seus desenhos, mas aquele em especial ela havia adorado. Não pelo seus traços e rabiscos um pouco desajeitados, mas pela pessoa que esses rabiscos formavam.
Nica sentiu alguma coisa naquele olhar melancólico. Ela se viu ali, meses atrás. Estava de luto.
Talvez a mulher loira tivesse perdido alguém também.“Quem é você?” a pergunta rodeava a mente da castanha, não havia respostas. Mas ela estava disposta a encontrá-las.
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photogram - tiffnica
FanfictionNica Pierce, uma fotógrafa prestigiada, se encontrava completamente perdida após a morte de sua família, até encontrar Tiffany, uma mulher misteriosa que mais tarde, se tornaria o motivo de seu sorriso.