A Bolha

Parte 6

Quanto mais consciências, mais difícil se torna nossa travessia pois cada uma quer cantar versos diferentes, além de que algumas cantam esverdeado e outras alaranjado. A movimentação no interior das unidades é outra dificuldade crescente ao passo em que nosso número aumenta, principalmente quando entramos em unidades que já estão sendo compartilhadas por várias consciências. Ninguém sabe explicar onde nem como tudo se originou.

Chegamos hoje à vigésima segunda unidade e não poderia haver consciência mais estranha do que esta que aqui encontramos. Nesta unidade, no lugar de um computador há um violoncelo e ao invés de um espaço vazio, peixes ou plantas, como nas demais, há um alegre cachorro que atravessa a parede para lá e para cá quando bem deseja. O riso em sua bolha quântica é mais potente que os das nossas. Esta consciência masculina de cabelos desgrenhados e estranhos trajes coloridos não esboçou qualquer surpresa com nossa chegada pois há muito já sabia sobre nós. Disse também que as bolhas são resquícios de memórias afetivas, que os efeitos nas paredes são naturais e que nunca estivemos presas aqui, só nos faltava tentar sair.

Em dado momento, ele simplesmente sentou-se e tocou seu violoncelo. Todas as paredes vibraram em verde morno... Agora eu via claramente o rosto de minha Bete cantando no palco com a orquestra! Em seguida, pude sentir seu corpo quente e macio sob o meu em nossa cama, vi e ouvi seu sorriso! Como ela era linda e como eu a amava... Minha epifania foi interrompida pelos vinte homens e mulheres que me empurraram contra a parede em sua ânsia por liberdade.

Saímos diretamente em uma escada que ladeia o prédio de cima a baixo. Conferi 2 unidades em cada um dos 11 andares. Caminhamos por algum tempo observando um incontável número de prédios iguais ao nosso neste espaço escuro. Se há alguma parede além deles, não conseguimos ver.

Sem ter ideia de para onde seguir, voltamos à vigésima segunda unidade e questionamos o músico. Ele disse que já relatou tudo o que sabia.