Prólogo

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        Astra tinha seis anos quando percebeu que a diferença não tinha lugar em Seabrook. Ela já o tinha visto na forma como os zombies viviam, isolados do mundo por cercas elétricas e seguranças que patrulhavam o perímetro. Também já o tinha visto na maneira como os pais tinham forçado Addison a usar uma peruca loira praticamente desde que nascera, apenas para esconder o lindo cabelo branco da sua irmã mais nova.

          Ela já o tinha visto... mas nunca sentira na pele. Naquele dia, porém, tinha acontecido com ela.

           Bucky, o seu primo e de Addison, visitava-os com frequência e gostava de passar tempo com a mais nova. Com Astra, nem tanto. Parecia ter receio dela, com os seus olhos roxos e a sua língua afiada, mesmo tão nova. Ao mesmo tempo, não gostava da forma como ela o punha no lugar e lhe roubava as atenções, mesmo que fosse pela negativa. Os adultos não gostavam de ver Astra a correr pelo jardim como um menino, a esgueirar-se para a beira da cerca e meter conversa com os seus amigos zombies, não gostavam de como ela os desafiava até ao limite. Por isso, estava sempre de castigo, sempre a ter atenção indesejada dos pais e dos tios, roubando-a a Bucky, o menino de ouro da família.

           Era um perfeito dia de Verão. As três crianças estavam no jardim a brincar, como sempre faziam. Embora fosse um ano mais velha, Astra gostava de brincar com a irmã, mesmo que a maior parte das brincadeiras de Addy fosse baloiçar os seus pompons prateados que a mãe lhe oferecera e cantarolar uma qualquer música de incentivo, torcendo pelos seus amigos imaginários. Bucky também amava a torcida e Astra, apesar de fingir não gostar, vibrava com os saltos, as músicas, as danças, os brilhos... Era contagiante. Não era essa a magia de ser uma cheerleader?

       Lá estavam eles, aos pulos, baloiçando efusivamente os pompons e gritando para quem os quisesse ouvir. Num salto arrojado, Astra caiu ao chão com demasiada força, o corpo tombando na direção de Bucky. Os dois caíram ao chão e Astra ouviu o grito de dor do primo aos seus ouvidos. O menino empurrou-a com força, afastando-a de si, o rosto ruborizado do choro e da dor.

- Bucky, foi sem querer... Desculpa... - tentou pedir Astra, preocupada.

- Bucky, eu vou chamar os papás! - guinchou Addison, assustada - Não te mexas!

- Onde dói? - perguntou Astra, tentando tocar-lhe - Foi o pé?

- SAI DAQUI! - gritou o mais novo, fungando - SAI DAQUI, TU FIZESTE DE PROPÓSITO!

- Bucky, querido, o que aconteceu?! - perguntou Missy Wells, ajoelhando-se ao pé do sobrinho - Oh céus! Torceste o pé, meu amor? Oh céus, temos de te levar ao hospital...

- FOI ELA! - berrou Bucky, apontando para Astra, que arregalou os olhos - ELA EMPURROU-ME!

- O quê?! Não, eu caí...

- Astra, não tens vergonha de empurrar o teu primo? - perguntou Dean Wells, abanando a cabeça- Mas o que se passa contigo para agires desta maneira?!

- Mas papá, não foi nada disso...

- FOI SIM! Tu não gostas de mim, aliás tu não gostas de ninguém... - cuspiu Bucky, furioso - Não passas de uma aberração, seu monstro.

           Astra sabia que Bucky estava apenas a dramatizar, a fazer uma birra para chamar à atenção, como sempre fazia. Não, não fora ele que a magoara. Não fora ele que a fizera sentir que nunca iria pertencer aquele lugar, nem se esforçaria para tal como Addison fazia.

       Fora os pais.

        O olhar desapontado da mãe. O abanar da cabeça do pai. Nenhum dos dois a defendera ou quisera ouvi-la. Nenhum dos dois repreendera o sobrinho pelas palavras horríveis que ele dissera sobre a sua filha.

- Asty... - chamou Addison, a voz saindo-lhe baixinha e triste.

Astra nunca iria ser aceite. Era demasiado ela, demasiado estranha, demasiado diferente. Não era perfeita, como os pais, como a irmã, como a cidade queria que todos fossem.

Um ano depois, quando os pais lhe contaram que iria mudar de escola e, consequentemente, de cidade... ela não se surpreendera. Tão pouco se recusara. Em Seabrook, só iria trazer problemas aos pais e eles não queriam que isso acontecesse, não quando a mãe era Presidente da Câmara e o pai o solene Chefe do Departamento Anti-Zombie. Não quando Addison tinha todas as hipóteses para ser feliz ali, o seu defeito de nascença bem escondido, enquanto o de Astra ficava bem exposto porque ela assim queria que fosse. Preferia partir a trazer problemas à irmã, cuja vida seria difícil o suficiente por causa do seu cabelo.

A única coisa que lhe custava era deixar a irmã para trás. Addison chorara por horas nos dias que se seguiram à notícia da sua partida, tentando convencer os pais a deixá-la ficar. Não conseguira, claro. Os pais estavam certos de que Astra seria muito feliz na nova cidade, a viver com um qualquer primo distante do pai. A mais nova era demasiado inocente para perceber o que se passava e as duas irmãs eram demasiado unidas para serem separadas. Era cruel, os Wells sabiam disso, mas necessário.

Astra Wells não tinha lugar em Seabrook.

Assim, a menina dos cabelos loiros e olhos púrpura partira, deixando o seu coração para trás, para que a sua irmãzinha nunca se sentisse só naquele mundo falsamente perfeito.

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