4 - A VELA

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Carmen com muita dificuldade acende uma vela branca ao lado da sua cama. No móvel de cabeceira, e chora.

     Antônia, ao lado da mãe, olha para dentro da vela, e seus olhos pretos umi-decidos, refletem o tremular da chama.

— Minha filha, eu queria tanto mais tempo com você... — Carmen tosse três vezes e tenta continuar a falar.

— Não fala nada mamãe. — Antônia coloca o braço de Carmen sobre seu corpo. Se agasalhando. Como quem se protege dum mal futuro.

— Vou te contar uma história. — Mesmo sentindo-se brutalmente cansada, Carmen se esforça em continuar a falar: — Eu... quando tinha a sua idade, sua bisavó acendeu comigo minha primeira vela... e desde então não parei mais. Seu pai... — A tosse volta com mais força, fazendo com que Eduardo abra a porta do quarto e observe as duas de dentro da escuridão.

— Precisa de algo?

— Não, Eduardo. Somente privacidade para conversar com minha filha.

            O homem se aproxima da cama deles, feita de madeira de lei escura, e ajeitando o lençol que Carmen está se cobrindo, diz no ouvido da esposa:

— Pode ir em paz... cuidarei muito bem da menina.

           Antônia mesmo não escutando o que Eduardo acabou de falar no ouvido da sua mãe, a menina percebe que foi dito algo muito horrível, por causa do olhar de terror, desespero e impotência dado repentina-
mente na sua direção pela sua mãe.

           Sabe aquele olhar de martírio, angústia e solidão eterna? Igual ao homem da pintura "O Grito" do artista norueguês Edvard Munch?

           Foi exatamente assim que Carmen olhou para sua filha.

— Minha filha, me ajuda a levantar. — Pede Carmen com urgência depois que Eduardo sai do quarto.

           A filha faz o que foi lhe pedido e com dificuldade ajuda sua mãe a ajoelhar-se, de frente para a vela.

— Antônia, a vela é a luz que o sobrenatural se guia para este mundo. Os do outro lado veem a chama da vela como um farol que mostra aonde devem ancorar.

— "Os do outro lado" ? O que isso significa?

— Sua bisavó dizia que são seres que caminham pela terra a milhares de anos, e que buscam na luz da vela, achar orações suplicantes por ajuda.

          Antônia, olha para vela e começa a duvidar da sanidade de Carmen e sente o medo percorrer sua espinha.

— Mãe, a senhora está me assustando.

— Menina! Preste atenção! Eu tenho pouco tempo de vida!

             Os olhos de Antônia se enchem de lágrimas. A menina olha na direção da vela e acaricia o rosto da sua mãe. Ela

— Sua bisa, quando me explicava isso, sobre os que vivem do outro lado, me ensinou naquela noite uma reza para firmar o pensamento e chamá-los. E será isso que te ensinarei agora.

             Carmen se curva diante da vela acesa e começa:

"Sete, quatorze e vinte um são as joias que firmam o caminho dos que vivem do outro lado. 3, 6, 18 são os olhos firmados em mim e sobre o manto daquele que me guarda, me escondi. Vela. Vela. Vela. Que a tua chama mostre o caminho daquele que cuidará da minha vida, o liberando da dívida, que para o além teria que pagar. — Pausa na reza. Carmen olha para a vela e continua: — Sei que não me vês agora, mas segue a chama da vela que acesa aqui está. Sete, quatorze e vinte e um, são teus passos para chegarem até aqui."

           Carmen, reza novamente em voz alta. Antônia, segue sua mãe invocando alguém do outro lado.

           Ao terminarem de repetir a reza pela terceira vez, um vento misturado com água de chuva, abre de forma violenta e brusca a janela do quarto que elas estão ajoelhadas. Fazendo a invocação.

           A cortina branca e fina se esvoaça, mostrando um par de olhos amarelos malignamente reluzentes. O ser encontra-se parado do lado de fora. Na frente da janela. Pendurado de cabeça para baixo.

— Eu sei que você o vê... repita a reza. — Antônia olha incrédula para sua mãe. A vontade da criança é correr e não fazer uma nova reza.

           Os olhos amarelos continuam sorrindo na direção de Antônia.

           A felicidade do olhar, daquele que veio do outro lado, parece ser da mais pura satisfação. Com reticências, Antônia repete a reza.

— Olhe pra vela menina! Esquece o que está vendo! Faça a reza olhando pra vela! O do outro lado precisa reconhecer sua voz!

"Sete, quatorze e vinte um são as joias que firmam o caminho dos que vivem do outro lado. 3, 6, 18 são os olhos firmados em mim e sobre o manto daquele que me guarda, me escondi. Vela. Vela. Vela. Que a tua chama mostre o caminho daquele que cuidará da minha vida, o liberando da dívida, que para o além teria que pagar. — Pausa na reza. Carmen olha para a vela e continua: — Sei que não me vês agora, mas segue a chama da vela que acesa aqui está. Sete, quatorze e vinte e um, são teus passos para chegarem até aqui."

            Antônia vira bruscamente sua cabeça, na direção das trevas fora da casa, além da janela, e os olhos amarelos não estavam mais lá. Sumiu. O que veio do outro lado, sumira.

— Me ajude a levantar.

— Claro, mãe. Eu vi...

— E sei que viu. Os olhos eram amarelos?

— Sim... — Antônia responde com medo e receio e a menina sente seu coração com o medo acelerar.

A VELA  - TERROR SOBRENATURAL- Lançado 23/02/22Onde histórias criam vida. Descubra agora