Capítulo 09

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P.O.V. Maria Eduarda

Realmente tive alta depois de vinte e quatro horas. Saí andando do hospital sem a menor dificuldade.

Quando chego em casa, sou bombardeada de perguntas das meninas, que queriam saber tudo sobre a cirurgia e se eu estava bem. Estranhei a cara preocupada da Maria e não tive tempo de nem de perguntar o que estava acontecendo.

Assim que passei pela sala em direção ao meu quarto, ouvi uma voz conhecida.

— Cansou de viajar explorando o dinheiro alheio, Dudão?

Respiro fundo e não me dou ao trabalho de responder meu irmão Murilo, que me chama assim desde que me flagrou beijando a Angélica.

Coloco a mochila sobre a cama no quarto que divido com minhas sobrinhas e vou para a cozinha, onde o infeliz se encontrava.

O encaro com a cara mais lavada do mundo e respondo algo que sei que vai irritá-lo.

— O tempo que você perde cuidando da minha vida, deveria usar para cuidar melhor dos seus quatro filhos.

Ele fica vermelho e se levanta da cadeira. Apesar de ser bem mais alto que eu, isso não me intimida.

— Cuida da sua vida, Sapatão!

— Cuida da vida da sua filha adolescente e grávida! Quem sabe assim, se você fizer isso, os outros três terão mais juízo que ela?

Murilo fica possesso e chega a levantar a mão, mas é contido pela voz firme do Rogério.

— NÃO OUSE! Aqui é a minha casa, e a Duda é como uma filha pra mim.

Meu irmão recolhe o braço e dá um sorriso cínico que me irrita.

— Cuidado, Maria. Gente dessa laia não presta... cuidado para não perder o marido para essa vaga...

— CHEGA! Respeita nossa irmã, respeita nossa casa, respeita meu marido! Eu não vou aturar conversa fiada sobre nada disso. Vai embora, Murilo. Não te quero mais aqui!

Ele a olha boquiaberto, assim como eu. Maria sempre foi calma e tolerante, e apesar de me defender todas as vezes, nunca havia chegado a tanto.

— Tá me expulsando da sua casa por causa dessa desavergonhada?

— Não. Estou te pedindo para sair da casa que também é dela. Cada vez que você ofende a Duda, é como se estivesse atingindo minhas filhas. Você já deu seu recado e não vou mudar minha resposta. Já pode ir.

Ele pega a chave do carro e sai feito uma flecha, sem nem dar tchau.

Me sento à mesa e Rayane me pede colo. A pequena de quatro anos se aconchega no meu colo e a abraço. O cheirinho do seu cabelo me lembra como é bom estar em casa.

— O que aconteceu, Maria? Nunca te vi assim!

Minha irmã se senta ao meu lado e me olha desolada.

— O pai está com glaucoma. Eu liguei para todo mundo para avisar, pois o plano de saúde dele não cobre os remédios, e é muito caro.

— Caro a ponto de dez filhos não conseguirem dividir?

— Não, caro a ponto de eu não conseguir pagar sozinho.

Meu cunhado responde e pelo tom de voz sei que está bravo.

— Sozinho? E os outros filhos?

— Um por um foi dando desculpas esfarrapadas, e o Murilo veio fazer isso pessoalmente.

— Mas daria quanto para cada um por mês?

— Duda, acredita que seria uns setenta reais?

Fico chocada com a cara de pau deles. Tudo bem que dinheiro não nasce no jardim, e que setenta reais num país onde o salário mínimo é quinhentos e quarenta não é tão barato, mas poxa, é o nosso pai!

Angel (Degustação - disponível na AMAZON)Onde histórias criam vida. Descubra agora