É a terceira noite que passo sem dormir. Meus olhos estão se fechando mas o receio de não acordar pela manhã me mantém alerta. Eu vejo medo por toda parte. Em cada rua, cada esquina e até mesmo nas casas que todos julgam perfeitas com paredes pintadas e janelas trancadas. Em todos os lugares o medo está presente.
Digo isso porque escuto os gritos, as discussões, os vasos caros se quebrando, o choro das crianças, a correria e então a batida na porta. É nesse momento que vocês passam por mim. Eu sempre estou sentado, vestido da mesma forma, com cabeça e olhos para baixo, me esforçando ao máximo para não ser visto. Faço isso por saber como sou tratado quando estão nervosos. Sou xingado, olhado com desprezo, chutado. Tudo isso por eu ter tido a audácia de, por um momento de descuido, levantar a cabeça e olhar em seus olhos. Mas tudo bem. Eu posso entender. Quem quer alguém como eu por perto? Alguém que traz miséria para seu bairro rico, que suja sua calçada e estraga sua decoração impecável.
Eu peço perdão. Não foi minha escolha viver assim. Eu nunca tive a intenção de ser notado, fazendo você ter de desviar seu caminho e mudar de direção apenas por eu estar por perto. Me desculpe, amanhã não estarei mais por aqui, estarei em outro lugar, em qualquer lugar... é que eu não tenho casa.
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Palavras de rua (Degustação)
Non-FictionSinopse :João saiu de casa ainda adolescente. Fugiu sem se despedir e sem muita coisa na mochila. Deixou para trás suas poucas lembranças, mas levou as marcas do passado e dos golpes que ainda doíam. Partiu sem rumo ou direção. Seguiu por ruas e est...