Capitulo 3

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Eu nunca tive um aniversário. Nunca tive bolo, família reunida e nem presentes. '' O seu nascimento não é motivo para comemorações'', era o que eu escutava de meu pai quando perguntava o porquê de eu não ter uma festa. Tempos depois ele não dizia nada e eu sabia que era porque não se lembrava mais, ou não era importante.
A minha mãe aparecia às vezes, me abraçava rapidamente e ia embora. Era triste olhá-la, tão diferente e distante. Às vezes me perguntava se ela nunca pensava em ir embora e recomeçar, mas quando via seus olhos eu entendia, era tarde demais, ela já havia desistido de si mesma.
Fechava os olhos e encarava o teto, contando os minutos e escutando o barulho da televisão e as conversas na cozinha. Ao que parecia, eu era o único que ainda insistia em lembrar do meu aniversário.
***
Era onze da noite. Fazia horas que encarava a porta fixamente, mas ninguém entrava. Meus olhos estavam pesados e as lágrimas que por anos fizeram parte do meu rosto retornaram exatamente na mesma data. Apenas naquele dia eu me permitia chorar. Deitei em minha cama e me senti cansado, esgotado, mesmo sem ter feito nada. Encolhi meu corpo e me senti ainda menor. Apertei meus joelhos contra meu peito numa espécie de abraço e permaneci assim, me balançando e me ninando, até adormecer.
***
Eu não percebi mamãe aparecer pela madrugada. Não senti seus braços e nem suas mãos delicadas tocarem meu rosto. Não senti, mas ela esteve aqui. Esteve depois que meu pai apareceu tarde da noite. Depois que ele abriu a porta e sem motivo algum lhe deu um tapa no rosto. Depois que ela sentiu o peso de sua mão novamente. Depois que ela chorou e implorou para que ele parasse. Apareceu sorrateiramente, em silêncio, deixando ao meu lado um pequeno caderno com uma única palavra: Fuja.

Palavras de rua (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora