Capitulo 1

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O dia escureceu mais cedo. O céu ficou nublado, com nuvens pesadas e escuras que impediam que qualquer brecha de luz surgisse.Já fazia horas que estava chovendo. O vento balançava os galhos das árvores, que batiam nas telhas das casas como se fossem arrancá-las. Não havia ninguém na rua. A luz da cozinha estava falhando e me distraía piscando cada vez que ela acendia e apagava.
Um barulho alto me assustou e pela brecha da porta do meu quarto vi duas sombras correndo, o braço do meu pai e o vulto de minha mãe no chão. Quando olhei novamente a vi imóvel e escutei sua voz, numa espécie de sussurro entre os dentes, pedindo para que ele parasse. Um estrondo clareou toda a casa e, quase ao mesmo tempo, meu pai levantou a mão em direção à minha mãe. Sem pensar, corri para a cozinha e me postei entre eles. Ele pareceu se assustar ao me ver, mas não disse nada. Sua mão continuou levantada e eu vi o suor escorrendo pelo seu rosto.
– João, meu filho. Por favor, volte para o quarto... –
Minha mãe estava me segurando e suas mãos tremiam. Olhei para trás e neguei, balançando a cabeça.
– Pode ir, filho.
– Ela disse, passando a mão trêmula em meu cabelo.
– Você ia bater na mamãe, pai?

Seus olhos pareciam queimar de raiva. Então, sem dizer nada, virou as costas e pegou um copo de bebida, virando-o em seguida. Ele engoliu o líquido de uma vez. Sua face indicava que queimava sua garganta.
– Maria, leve seu filho para a cama.
– Ele disse sem olhar para nenhum de nós.
Na cama, mamãe se deitou ao meu lado. Ela não disse nada sobre o que aconteceu e eu não fiz perguntas. Fechei os olhos mas não dormi. Os relâmpagos se tornaram mais fortes lá fora. A chuva aumentou e o vento parecia querer derrubar algumas árvores. Por mais que o clima estivesse ruim lá fora sentia que ali estava ainda pior. Abracei minha mãe e ela pareceu estremecer. Meus braços pequenos quase que não a envolviam, mas ainda assim isso parecia confortá-la. Deitei minha cabeça em seu ombro e escutei sua respiração pesada e seu coração que batia acelerado. Ela não abria os olhos, mas as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Em um sussurro, como se as palavras doessem ao sair de sua boca, ela disse em meu ouvido.
– Me perdoe, filho. Me perdoe.

Palavras de rua (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora