Confiança

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Aquilo parecia loucura. Desde o princípio soara como loucura, e assim ia se configurando, a cada passo no escuro que Hoseok dava. Quando Taehyung lhe convidou para um passeio, um convite totalmente inesperado para irromper pela noite desafiando o sinistro toque de recolher, o jovem pacifista imaginou outra coisa. Algo ousado, sim, tendo em vista o risco diante do qual se colocariam caso a resposta fosse positiva, mas jamais lhe passou pela mente uma situação daquela monta. Sendo honesto consigo mesmo, sequer tinha algo que pudesse estar passando pela sua cabeça, exceto o disparate e o pleno mistério que envolviam a questão.

Ao ser confrontado com a oferta, seu impulso natural foi se negar. Era um inconformado, se via como um revolucionário, porém, ainda era íntegro e temente às leis. Bastava-lhe a petulância — ainda que justificável, seguia sendo petulância — de montar classes e lutar para relembrar aos seus compatriotas o que de fato eram: cidadãos coreanos, não chineses, e muito menos japoneses. Infringir mais uma norma, pelo mero ato de o fazer, sem uma forte motivação por trás da rebeldia, não era de seu feitio. No entanto Taehyung, sabedor disso, jogou com suas emoções como somente ele sabia fazer, usando seu olhar persuasivo enquanto a boca soltava, no seu tom sempre baixo e rouco, a frase que deixou Hoseok sem a menor chance de escolha.

— Não confia em mim?

E Hoseok confiava, claro que sim. Apesar das pequenas mudanças um tanto repentinas de Taehyung, ele o conhecia bem, como a palma da própria mão. Colocaria a própria vida à mercê dele, e julgaria estar fazendo a melhor escolha. Mesmo que não acreditasse na desculpa que ele deu para estar com o rosto machucado, ainda confiava nele, acreditava em suas palavras. Sua fé no namorado, entretanto, ia sendo abalada pouco a pouco, conforme ele ia pensando que andar pelas ruas vendado, à noite, durante o toque de recolher, se guiando apenas pelo som das passadas de seu namorado à sua frente, era uma enorme e desnecessária insensatez.

— Taehyung... — murmurou, sendo imediatamente respondido com um cortante "shiu". — Eu só preciso saber se ainda vamos andar muito — insistiu em completar, escutando o inequívoco suspiro de impaciência do mais novo. Então, sem se dar conta de que os passos à frente tinham cessado, acabou esbarrando no outro rapaz, sendo recebido por braços abertos que em segundos já estavam ao redor de seu corpo.

— Precisa ficar calado... — Taehyung começou a sussurrar ao pé de seu ouvido. — andar sem fazer barulho e prestar total atenção no som dos meus pés, caso contrário sairá do caminho e correremos o risco de sermos pegos. — Os braços ao seu redor lhe apertaram mais, com carinho e conforto. — Você estava indo bem, hyung. Consegue continuar?

Hoseok pensou em sussurrar um "sim" de volta, mas raciocinou ligeiro e achou melhor apenas mover a cabeça num gesto positivo, logo após encaixar o rosto no vão perfumado entre o pescoço e o ombro daquele que amava. Recebeu um leve afago nos cabelos e um suave beijo na testa de volta.

— Obrigado — Taehyung exclamou ao afasta-lo de si, ajeitando-lhe a venda que acabou saindo do lugar. — Não a tire em hipótese alguma — sibilou ao terminar. — É importante.

Novamente Hoseok concordou com um movimento de cabeça, e em segundos pôde escutar outra vez o barulho de Taehyung se movendo, tratando de apurar bem a audição para continuar o seguindo. Sem poder precisar quanto tempo tudo aquilo perdurou, Hoseok foi surpreendido pela segunda vez com um esbarrão e um abraço terno do companheiro.

— Espere aqui.

Foi tudo o que o jovem professor conseguiu discernir, a partir daí. Tendo sido abandonado pelos braços de Taehyung, foi deixado onde estava, parado, sem nenhuma indicação sobre o que deveria fazer.

O silêncio aterrador das madrugadas imposto pelo cruel toque de recolher era quebrado pela brisa gelada e suave da noite coreana, e também pelos sussurros impossíveis de compreender que começavam a chegar aos ouvidos de Hoseok, sussurros dos quais só era capaz de reconhecer a voz de Taehyung.

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