A Aposta

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   — Ou seja, hoje você será minha propriedade.

   Írias dá um passo para trás assim que ouve aquelas palavras, ela encara a demônia procurando por algum sinal de que aquilo fosse apenas uma brincadeira, mas não era, ela volta a olhar para a corrente com sua coleira na ponta e engole em seco, sente um frio em sua barriga que não tinha como ser explicado, ela não sabia o que pensar, o que falar, ou como reagir àquilo.

   "minha" ela repete a palavra em sua mente e fecha os olhos, "minha" repete novamente e abre os olhos, "Ela é realmente uma demônia" conclui seus pensamentos.

   — E por que eu faria isso? - Írias rebate após longos segundos de completo silêncio entre elas, tanto Luri quanto Yunna arqueiam as sobrancelhas sem acreditar que ela estava realmente perguntando aquilo — O que eu ganho com isso?

   — Você não está em posição de exigir nenhum "ganho" - Luri responde da forma mais calma possível - Inclusive, não está em posição sequer de erguer a voz perante nós.

    — Eu não vou - Írias diz por fim como se fosse uma criança fazendo birra, mas sentia que nem ela estava realmente certa daquilo, a garota dá vários passos em direção à porta e coloca sua mão sobre a maçaneta, estava prestes a abri-la quando sente uma rajada de ar atrás de si, dedos com garras enormes encostam levemente sobre o pescoço da garota, ela sente a respiração de Yunna bater contra seu ouvido levemente antes de sua doce e nociva voz ser sussurrada ao pé de seu ouvido.

   — E que tal brincarmos um pouco para decidirmos isso, ein? - Diz deslizando seus dedos pela pele macia de Írias - Façamos uma aposta, qualquer coisa que quiser, se você ganhar eu te deixo ir embora, se eu ganhar você fará exatamente o que eu mandar até a meia noite - A respiração de Yunna fica mais pesada, Írias sente um forte arrepio percorrer o seu corpo - Inclusive... se você perder... - Sua voz se torna lenta e com um tom levemente embriagado de prazer - Irá me deixar provar de seu doce sangue.

   A mente de Írias estava à mil por hora, ela estava tão atônita que até sua respiração errava o passo, se lembra do que aprendeu durante toda a sua vida, das vozes que sempre ouvira dizendo "Não se brinca com fogo", e ela sabia que Yunna seria seu fogo, mas, acima desta preocupação a mente de Írias fisga do fundo de sua memória a vez em que ouviu alguém dizer "Não faça pactos com demônios", esta frase não poderia se encaixar melhor à sua situação atual, mas a adrenalina, a curiosidade e a excitação gritaram muito mais alto que suas memórias de alerta.

   — Feito - Ela diz com firmeza e afasta sua mão da maçaneta, estava jogando fora sua oportunidade de fugir por uma mulher que havia acabado de conhecer, nunca em sua vida algo lhe pareceu tão certo e errado ao mesmo tempo.

   "Mas ao menos se eu perder eu possa descobrir o que está acontecendo"ela pensa tentando ver aquela aposta pelo lado positivo, mas realmente não haviam muitos.

   Yunna se afasta da garota, assim que Írias se vira ela vê a expressão da mulher à sua frente, ela sequer tentava esconder o seu sorriso malicioso, Luri que estava logo atrás dela mantinha uma expressão de completa surpresa em relação a tudo aquilo.

   — Porque? - Luri pergunta atônita sem entender - A gente pode simplesmente obrigar ela.

   — Assim fica mais interessante - Yunna responde e dá uma piscadela - E eu não vou perder.

    Írias tenta pensar no que apostar, ela olha para os lados tentando achar algo em que teria certeza de que iria vencer, mas lá no fundo ela tinha um pé atrás quanto à tudo isso, como se quisesse perder, como se quissesse ser a propriedade de uma demônia dos olhos vermelhos, voz doce, unhas afiadas e sorriso malicioso, algo nela a chamava, algo nela a deixava inquieta e ela queria saber o que era aquilo, queria conhecer mais daquela mulher misteriosa e saber até onde ela iria com todas as suas ameaças.

   Írias vê no canto da cozinha onde o corredor da sala terminava um alvo de dardos, no mesmo momento ela esboça um sorriso, Írias não era tão boa assim com dardos, mas sempre fora muito elogiada pela sua mira, quando era pequena seu avô a levava para pescar e de vez enquando utilizavam técnicas ilícitas que ela conhecia muito bem, Írias sabia usar uma lança, um arpão e uma besta com maestria. "Talvez com dardos não seja tão diferente" pensa.

   — Tiro ao alvo - Ela então diz e aponta para o alvo, seu sorriso some no mesmo momento em que o de Yunna aparece cintilando como se ela "já tivesse ganhado".

   — Tem certeza disso? - Ela pergunta com um tom de superioridade enquanto ia até a gaveta pegar os dardos de ponta fina e cumprida, Írias engole em seco, mas não conseguia pensar em outra coisa que seria melhor do que sua mira.

   — Sim - Responde.

   As duas se posicionam rente uma à outra na mesma distância em relação ao alvo, Yunna lhe oferece dois dardos e fica com um.

   — Talvez seja melhor você ter duas tentativas, para igualar as nossas chances - Ela dá uma piscadela toda convencida de sua vitória - Você primeiro, vamos intercalar.

   Írias olha para a ponta do dardo e para o alvo, inspira fundo e se prepara para lançar, alguns segundos se passam enquanto ela tentava acalmar sua mão que tremia de nervosismo, ela lança o dardo com uma rapidez surpreendente, a sua ponta perfura a exatamente 3 centímetros do centro, ela sorri feliz com seu resultado e volta a olhar para as duas demonías, ambas estavam com expressões de surpresa completa em seus rostos.





   Yunna olha para Írias de baixo a cima, não acreditava que aquela garota vestida de noiva realmente fosse sequer fazer o dardo perfurar o alvo, quanto mais atingir tão próximo assim do centro, o olhar que Írias lança em direção à Yunna é de orgulho e superioridade, ela começa a se arrepender de sua aposta, mas seu sangue fervia por aquele momento excitante de competição.

   — Sua vez - Írias provoca e dá alguns passos para o lado, Yunna chacoalha a cabeça tentando afastar seus pensamentos sobre aquilo.

   A mulher demônio se posiciona para lançar o dardo, mas diferente de Írias ela dá vários passos para trás ficando muito mais longe do alvo que ela, a garota estava com um olhar de dúvida como se estivesse imaginando o porquê dela estar se afastando, por mais que Írias fosse boa ela não era Yunna, e seria injustiça da parte da demônia deixar tão difícil para a garota humana.

   Com quase o dobro da distância em que Írias lançou o dardo, Yunna faz o seu lance, tão rapidamente e forte que ao passar na frente da humana o vento mexe levemente o vestido de seda dela, atingindo com extrema precisão o meio exato do alvo, toda a sua ponta fincada no objeto, o lance foi tão forte que ao atingir o alvo fez um baquê surdo.

   Yunna volta a sorrir e olha para Írias, a garota só tinha mais uma chance, um último lance, mas já havia praticamente perdido, ela estava em choque completo, sua boca aberta como se não estivesse acreditando no que havia acabado de ver, Yunna anda lentamente até Írias, coloca sua mão levemente sobre o ombro da garota, se abaixa um pouco para seus lábios estarem na mesma altura dos ouvidos dela, com um ar de triunfo ela sussurra.

   — Acho melhor você já ir trocando de roupas... - diz bem lentamente - Você não vai querer ser o meu bichinho de estimação usando este vestido caro... - Sua mão desce lentamente de seu ombro tocando com delicadeza o tecido do vestido com a ponta de sua unha afiada - Eu não sou muito fã de roupas assim... e talvez possa acabar a rasgando... sem querer.

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