Onde Estou?

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   Yunna encara o próprio reflexo no espelho, ainda estava em choque com a recém chegada à sua casa, ela respira fundo e joga um pouco de água em seu rosto, se concentra olhando para seus olhos no reflexo e vê o vermelho indo embora e sendo substituído totalmente por uma íris castanha escura como os olhos dos humanos.

   Ela sai do banheiro e pega seu celular sobre o sofá da sala, disca um número e coloca o celular próximo ao ouvido enquanto ouvia os bips da chamada, Yunna olha de soslaio para a escada que levava ao porão de sua casa, sente um arrepio percorrer pelo seu corpo ao se lembrar que mantinha uma garota humana presa ali dentro, engole em seco e desvia o olhar esperando que a pessoa do outro lado da linha atendesse logo.

   — Alô, alô para a minha melhor demônia e...

   — Luri, preciso da sua ajuda – Yunna fala rapidamente cortando a outra pessoa que atendeu alegremente fazendo brincadeiras.

   — Ela acordou? – Luri pergunta indo de um tom totalmente infantil para um mais sério – Ela é uma humana mesmo?

   — Sim, mas este não é o maior dos problemas... – Yunna morde o lábio inferior tentando pensar em como contar o que descobriu para a outra pessoa – O nome dela é Írias, ela não tem praticamente nenhuma memória de como veio parar aqui, e pior... ela não sabe nem quem é a Nin...

   Yunna ouve uma gargalhada do outro lado da linha, aparentemente nem a outra pessoa acreditava naquelas palavras.

   — Ela deve estar te zoando, Yunna, não creio que você caiu nessa – Luri continua a rir – Mas enfim, ela é bem bonita, não é? Eu vi seu olhar quando ela chegou, não imaginei que você fosse capaz de sentir alguma coisa depois que tudo aconteceu, fiquei tão surpresa quando te vi corando que contei para todos do bar do Fim – A outra pessoa fala entre várias gargalhadas.

   Yunna começa a corar violentamente com aquelas palavras, ela dá passos de um lado para o outro na casa sentindo coisas que nem mesmo ela sabia descrever, não entendia porque estava assim, mas dentre todos os seus sentimentos bagunçados ela conseguiu distinguir um, e era o de raiva.

    — Porque você contou para os outros? - Pergunta irritada com a sua amiga, aquilo era um segredo, na verdade Yunna nem sabia distinguir o que "aquilo" realmente significava.

   — Está bravinha? Vai fazer o que comigo? - Luri ri ainda mais alto da reação da amiga, Yunna bufa mas não responde àquelas perguntas, quando a pessoa do outro lado da ligação finalmente para de rir ela volta a falar - Bem, já que ela acordou precisamos tirar mais informações dela.

   — Era sobre isso que eu queria falar! - Yunna replica irritada.

   — Ok, calma calma demoniazinha, leve ela ao bar do Fim que lá nós decidimos o que fazer.

   — O quê?! Ela é uma humana! Nunca vão a deixar entrar!

   — É só ninguém saber que ela é humana, besta - Luri responde como se fosse a coisa mais óbvia possível - É só falar que ela é sua caça ou seu bichinho de estimação.

   — E se a descobrirem? - Yunna pergunta com certo receio, volta a olhar para a escada que descia até a porta do porão, novamente um arrepio percorre seu corpo só de imaginar a garota sobre a cama.

   — O máximo que pode acontecer é matarem ela, será só um humano a menos no mundo - Luri responde sem muita emoção, mas logo começa a rir novamente - Por que? Está com medo de machucarem a sua humanazinha?

   — Cala a boca! - Yunna vocifera e desliga a ligação com raiva, respira fundo e vai atrás do que precisava para levar a humana ao bar do Fim.


   Írias não gostava de ficar sozinha, ainda mais dentro do porão de uma pessoa totalmente desconhecida dos olhos vermelhos dor de sangue, ela tenta se desfazer das cordas que a prendiam por um tempo mas percebe que estavam muito apertadas, então olha para os lados procurando por algo que pudesse a ajudar, tudo em vão.

   Após pouco mais que cinco minutos ela já havia desistido de tentar escapar, a garota olha para o teto do local e respira fundo, sua mente a leva para memórias antigas de casa, do dia há alguns anos atrás em que sua avó lhe deu aquele lindo vestido de noiva que ela estava usando naquele exato momento, ela se lembra da fecilidade, da empolgação, do carinho, naquele exato momento sentia muita saudade de casa.

   Írias então se lembra do seu avô, das várias tardes logo depois dele voltar da pesca em alto mar por dias, sempre que voltava ele ia com Írias até as praias mais próximas, às vezes iam até mais distante perto dos penhascos do sul da ilha em que Írias morava, aqueles penhascos eram tão lindos e cheios de histórias que eram considerados uma das maravilhas do mundo, pessoas do mundo inteiro iam ate aquela ilha de poucos habitantes para desfrutarem das praias e dos penhascos. Írias se lembra claramente das palavras do seu avô quando dizia a história daquela ilha sob a luz da fogueira.

   — Está vendo aquele lado do oceano? - Ele dizia apontando para o sul além dos penhascos, a pequena Írias afirmava com a cabeça - Antigamente, nos primórdios da Terra, os demônios vinham de lá para dominar a Terra, de bem no fundo do oceano, passavam por crateras enormes que ligavam o inferno deles ao nosso, e vinham até aqui nos atormentar - Todas as vezes que ele contava aquela mesma história medonha a pequena Írias se tremia de medo e ele sorria logo em seguida - Mas sabe, isto já faz muito muito tempo, os demônios não sobem mais para a superfície - Ele desviava o olhar do extremo sul da ilha para observar a cidade cheia de luzes ao norte - Hoje em dia não precisamos mais dos demônios, nós humanos viramos nossos próprios demônios.

   Írias bufa e morde os próprios lábios, novamente tenta escapar, mas dessa vez com mais calma e paciência, sem muito esforço ela solta um dos punhos das cordas e agradece internamente por ter sido criada por uma família de pescadores que a ensinaram como fazer e desfazer todo tipo de nó, pouco tempo depois e ela já estava livre, Írias levanta o próprio vestido para não ser arrastado pelo chão, abre a porta do porão com delicadeza e sobe as escadas tentando ao máximo não fazer barulho.

   Ao chegar na parte de cima da casa percebe que não havia ninguém na sala principal, na verdade a casa estava em um completo silêncio e parecia abandonada, Írias olha para todos os lados se averiguando de que o caminho estava limpo para passar, seu coração batendo rápido pelo medo de ser pega tentando fugir, ela dá vários passos em direção à porta principal, estende a mão para abrí-la, mas naquele mesmo instante ouve vozes do outro lado da porta e a maçaneta começa a girar.

Sub Oceano - GLOnde histórias criam vida. Descubra agora