O inverno se aproximava do ápice em Eiröndil. A neve, os ventos gelados e o frio estavam prontos para, daqui algumas horas, castigar todo o continente pelo próximo mês. Todos os pais e mães de família e seus filhos buscavam abastecer suas casas com o máximo possível de comida, lenha e, quem sabe, algumas peles de animais para ajudar a se protegerem das baixas temperaturas. Esses ventos que, uivando o som do gelo e dando a cada um dos moradores um arrepio em suas espinhas, avisavam que ninguém teria muito mais do que até o anoitecer para terminar tudo aquilo que faziam, antes que a estação chegasse de vez.
Um abrigo havia sido construído exatamente no centro da cidade para aqueles que não tinham onde ficar, e alguns voluntários davam os últimos ajustes para receber os que necessitavam. O abrigo era totalmente feito de madeira e possuía demasiado espaço – o espaço era tanto que você poderia até organizar uma corrida de cavalos ali dentro de uma ponta a outra, mas isso estragaria o piso – além de uma lareira no centro circulada por pedras, duas extensas mesas de jantar colocadas paralelamente uma da outra, próximas às janelas. No canto contrário do abrigo, encontrava-se a cozinha, onde todos se serviam. Alguns moradores se propuseram a ficar lá durante o mês para ajudar na cozinha, outros na limpeza, e ainda teriam uns poucos bardos para cantarem e divertirem a todos, nos dias mais tediosos – que era a maioria, diga-se.
Assim que perceberam o pouco tempo restante, as lojas e tavernas iam fechando uma a uma conforme o sol se aproximava da metade de seu curso em direção ao horizonte. O ferreiro Joggir guardava a última armadura quando Viorno passou em frente ao estabelecimento, indo em direção ao abrigo. Ele usava a sua clássica camisa de linho azul com as mangas flare compridas, uma calça de malha na cor preta e sapatos de couro marrons. O jovem acenou para o ferreiro, que prontamente retribuiu o gesto. Joggir não pôde (e nem deveria) deixar de notar que Viorno levava o seu bandolim azul marinho consigo, pendurado em suas costas. Joggir coçou sua barba branca e se perguntou sobre o que Viorno faria com o instrumento, uma vez que o jovem nunca o tocava. Ele já tentou muito convencê-lo, mas nunca obteve tanto sucesso. Viorno se recusava a tocar as famosas canções dos bardos consagrados de Eiröndil – "Tá doido? E isso é coisa que um bardo decente faria?" dizia ele. Porém, ele jamais tocou uma música autoral – "Nossa, horríveis. Simplesmente não tem como alguém ouvir isso sem sentir um profundo desgosto pela vida", nas palavras do próprio – ele era um pouco exagerado às vezes mesmo.
No dia anterior, ele havia passado toda a manhã e tarde estudando partituras e compondo todo o tipo de canção sobre os mais variados tópicos – como, por exemplo, os heróis e suas virtudes, oriundos dos mitos e lendas do continente; sobre o amor e sobre a musa de seu fascínio, uma jovem e bela elfa moradora de Moréa, chamada Antonella; e também sobre A Batalha Nunca Lutada, a qual foi uma quase-batalha entre as províncias de Farengarde e Santinum, e essa é uma história que merece ser contada por este narrador onisciente que vos fala.A Batalha Nunca Lutada, como o próprio nome sugere, foi uma batalha que nunca ocorreu, vários anos antes da unificação do Império de Aerondor, entre as províncias de Farengarde e Santinum. As tropas dirigiram-se ao front de batalha, diversos homens e mulheres foram mobilizados para a guerra, com o objetivo de tomar a área ao redor da Baía das Memórias, ponto estratégico situado entre as províncias que guerreavam pelo controle do nordeste do continente de Eiröndil. Ao chegarem no campo de batalha, os soldados depararam-se com a cena de uma égua dando a luz, exatamente no meio do campo. Coincidentemente ou não, ambos os exércitos avisaram ao seus comandantes que não iriam lutar, alegando estarem tocados com o que acabaram de ver. Os soldados abraçavam seus colegas de exército, que choravam litros de lágrimas de emoção. Sem muitas opções do que fazer, os generais acordaram uma trégua, que posteriormente se tornou uma paz definitiva, entre as províncias e, mais tarde, a reunificação de ambas as províncias em uma só, com Santinum voltando a fazer parte de Farengarde. A imagem de uma égua com seu potro se tornou o símbolo da amizade estabelecida naquele dia e até hoje essa imagem estampa as bandeiras e estandartes de Farengarde. Muitos na época duvidaram da ocorrência desse parto equino da dita égua – em parte, por conta de uma famosa expressão comum em Eiröndil, usada quando algo ou alguém carece de beleza aparente, que diz "tão feio quanto uma égua parindo", entretanto, sendo verdade ou não, fato é que, ainda hoje em dia, os dois povos nutriram uma grande relação amistosa e serena, que resultou na reinserção de uma província a outra.
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Contos de Eiröndil
FantasyConheça Viorno e a sua busca pela canção perfeita; a breve jornada de Tanilia pelo deserto de Öter; a história de como Endrica se meteu no meio de um conflito entre os dois clãs dos orcs de Sultani, enfim... Tudo é possível em Eiröndil.