O nascimento de um supremo

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Se alguém perguntasse se Ling tinha algum arrependimento antes de morrer, ela diria que tinha muitos. O maior deles era não ter conseguido atingir seus objetivos em vida. Ela nasceu em uma família pobre de trabalhadores, seus pais eram sua única companhia, eles a ensinaram tudo o que sabiam e a menina aprendeu tudo rapidamente, demonstrando desde pequena um grande intelecto, mas inteligência sem recursos era apenas um desperdício, as vezes ela desejava ser burra como as outras crianças, assim não carregaria tantas preocupações do coração.

As outras crianças não entendiam sua forma de pensar, achavam ela esnobe e que estava sempre irritada, então elas se afastaram e Ling não se deu ao trabalho de ir atrás delas. Com o tempo, seu coração foi espagado pela injustiça e pela raiva que foram se refinando em ódio, dos colegas por não perceberem a situação em que estavam, dos pais por não se esforçarem mais pela família, de si mesma por ser impotente nesta situação. Ela se sentia sufocada nessa vida sem perspectivas.

Começou a trabalhar ainda jovem para tentar se sustentar, fazia qualquer tipo de trabalho para conseguir dinheiro, mas não conseguia boas funções, pois todos achavam que seu único objetivo na vida deveria ser o casamento e a família, ninguém queira aceitar uma mulher como empregada, especialmente uma que era claramente mais inteligente do que eles. Ela dormia pouco, aguentava os patrões abusivos e guardava cada centavo que ganhava, não é como se ela estivesse escolha, adoraria passar os dias brincando como os filhos das outras famílias, mas seu coração queria mais.

Suas economias nunca eram o bastante, seus pais sempre criavam mais e mais dívidas para ela pagar, até que eles decidiram vendê-la para conseguirem algum dinheiro e sustentar seus vícios. Um comerciante rico estava em busca de uma esposa jovem, então era um bom negócio para ambos, pela primeira vez a menina teve esperanças de que poderia se tornar alguém e deixar para trás a família que a atrasava.

Ling nunca acreditou nos deuses, ao contrário de seus pais, se eles eram realmente tão poderosos como todos falavam, então porque eles deixavam pessoas como ela sofrerem? Das duas uma, ou eles não existiam, ou eles não se importavam, se você não tivesse dinheiro o bastante nesse mundo, nem os deuses estariam dispostos a ouvi-lo.

A vida com o novo marido não era o sonho que ela tanto esperava, ele odiava a confiança e inteligência dela, toda vez que os dois brigavam e ela revidava verbalmente, acabava apanhando. Enquanto tentava se proteger dos golpes durante uma dessas ocasiões, ela alcançou os restos de uma garrafa de vinho quebrada. O fundo havia se despedaçado, deixando apenas o bico e vários dentes, ela fincou uma garrafa de vinho quebrada nas costas daquele homem como uma adaga.

Os empregados a arrastaram para o porão e a prenderam lá até o marido melhorar, ele não quis chamar a polícia, pois teria que admitir que foi ferido por uma simples mulher, seu ego não permitiria. Ling também era uma mulher orgulhosa, não pediu ajuda nem uma vez enquanto estava naquele cômodo escuro, sem água nem comida. Todos os dias ela amaldiçoava o mundo por ter nascido na pobreza, amaldiçoava os pais por não terem cuidado dela, amaldiçoava o marido por tê-la trancado lá. Depois de algumas semanas os empregados voltaram para checar a mulher sob as ordens do marido, esperando que ela já tivesse se acalmado e estivesse mais submissa, mas encontraram apenas seu corpo seco, sentado contra a parede.

Aquele era um final muito adequado, tinha nascido como uma ninguém e morreria como uma ninguém, mas era tão injusto, ninguém se esforçou tanto quanto ela, ninguém era tão inteligente quanto ela, mas não queria justiça, não era tola o bastante para achar que conseguiria isso, queria vingança contra aquele mundo que a havia suprimido, queria poder para subjugar todos ao seu redor, queria que eles sofressem como ela tinha sofrido, na pobreza, até a morte.

Acordou novamente e percebeu que ainda estava nesse mundo, mas estava diferente, sua alma vagou por muitos anos, durante esse tempo ela descobriu que seu ódio poderia ser usado como poder para se vingar. O primeiro lugar que visitou após ter controle das novas habilidades foi a casa do marido, na manhã seguinte todos os moradores foram encontrados mortos. Alguém começou um boato de que eles tinham sido mortos por um demônio. A crença das pessoas fez os poderes de Ling aumentarem. O próximo passo foi ir atrás dos pais, assustando-os até a morte, depois disso ela visitou todos os antigos chefes, causando pequenos acidentes, incêndios, mortes de animais, com o tempo toda a fortuna daquelas famílias foi se extinguindo, levando vários deles ao suicídio, Ling achava engraçado eles não aguentarem a vida que eles mesmos impunham às outras pessoas.

Ninguém mais queria viver naquela cidade amaldiçoada, todas as famílias ricas eram levadas a ruina e os mais pobres tinham medo de enriquecer e se tornarem vítimas, mas Ling não parou por ai, sua vingança não se deteve apenas naquela cidade. Atacar pessoas muito ricas era perigoso, pois elas poderiam pedir ajuda aos deuses e eles viriam atrás dela, mas os burgueses que se achavam ricos eram burros demais para perceberem que havia algo errado com o que acontecia a eles e não pensavam em pedir ajuda aos deuses.

Ficou sabendo por meio de outros demônios que eles estavam se reunindo no Monte Tonglu, um local no qual havia uma fornalha que poderia te transformar num supremo. Se ela fosse um supremo, não precisaria temer nem mesmo aos céus, estaria no mesmo patamar de Chuva de Sangue e Água Negra, sua vingança poderia alcançar muito mais pessoas. No entanto, as coisas saíram do controle e ela teve que fugir antes de ter seu sonho realizado.

Apesar de ter conseguido muito poder, ela ainda não era um supremo, apenas um demônio do nível ira, por isso, decidiu dedicar seu tempo a reunir mais energia, enfrentando demônios cada vez mais fortes. No entanto, seu corpo não podia aguentar a transformação, era como diziam, com grande poder, vem grande vulnerabilidade, mas ela se recusava a morrer agora que tinha finalmente alcançado seu sonho.

Engatinhou pelo chão em sua forma infantil, determinada a achar um buraco para se esconder até conseguir controlar os poderes, ouviu alguém se aproximando e aumentou a velocidade, rasgando a pele e abrindo ferimentos processo, mas nada disso era mais importante que sobreviver.

Seu perseguidor chegou cada vez mais perto, então precisou mudar de estratégia, se fingiria de morta como um animal, assim que ele se aproximasse o bastante ela o mataria com um só golpe. Esperou pacientemente, até que o arbusto no qual estava escondida se moveu. A pessoa que olhava para ela parecia estar cercada por uma luz brilhante, como um... deus, a preocupação no rosto dele não parecia falsa. Ling não tinha ideia se morreria ao ser tocada por um ser tão puro, então se arrastou para longe quando ele esticou a mão.

Deuses não se importavam com pessoa comuns, também não se importavam com criaturas nojentas e sujas como ela, então quem exatamente era essa pessoa? O cuidado com o qual ele a tocava era diferente de tudo que havia sentido enquanto estava viva, os braços dele eram quentes e aconchegantes. Fazia tanto tempo que ela não se lembrava de como era ter alguém cuidando de si, sempre se sentiu sozinha até no momento de sua morte.

Aquela pessoa estava acompanhada de um homem vestindo roupas vermelhas, mesmo sem nunca o ter visto, ela podia sentir seu poder, era Chuva de Sangue. Achou melhor não fazer nenhum movimento brusco naquele momento, ficaria quieta e se fingiria de inocente e indefesa, pelo menos por enquanto.

A terceira CalamidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora