Imagine a Song

𝓯𝓻𝓮𝓮 𝓯𝓪𝓵𝓵

   Tinha algo naquele uísque. 

   Eu sabia que tinha, porque não era normal meus olhos liberarem essas gotas estranhamente molhadas e salgadas de água. Meu corpo podia soltar um mar sem meu consentimento?

   Tomei mais um gole mesmo assim. O mar não era tão ruim, era? Era legal para algumas pessoas. Algumas pessoas gostavam de surfar, de nadar, de se bronzear no sol. Eu gostava de nadar, mas não no mar que saía dos meus olhos. 

   Tropecei na calçada à caminho da cabine telefônica. Ele podia me contar o que estava acontecendo, não podia? Talvez ele pudesse explicar o porquê dessa água salgada, e da música parecer tão mais alta de repente. Ele poderia me explicar porque a água estava saindo de mim. Até porque ele sabia de tudo, oras. Ele quem me ensinou a jogar dominó, a nadar e a fazer doce com rum.

   Ele estava lá quando eu soltei fumaça por entre os dentes pela primeira vez, ele estava lá quando eu fiz careta provando rum pela primeira vez, ele estava lá quando fiz meus primeiros amigos.

   - Alô? - a voz rouca soou pelo outro lado do telefone.

   - Por que... Por que tá saindo mar dos meus olhos? - perguntei, balbuciando e sentindo o gosto amargo do uísque retornando à boca.

   - Onde você tá, hein?

   - Eu acho que... - arrotei - Acho que tô chegando no mar, cara, por quê ele tá saindo dos meus olhos? - eu também não entendia o porquê de eu estar soluçando, mas achei melhor fazer uma pergunta de cada vez.

   - Escuta, meu parceiro, são tipo, duas da manhã, e os bares por aqui fecham às dez. Você já foi avisado disso. Não tem como eu te ajudar agora, o que foi que a gente combinou hein?

   - Eu não lembro... O mar não para de sair, ele não pode sair, cara, por favor...

   - Combinamos que você só ia ajudar os outros quando já tivesse se ajudado. Eu tô de olho em você faz tempo, e você não ta cumprindo o combinado, então não tem muita coisa que eu possa fazer... 

   - Mas eu não tava ocupado, eu prometi...

   - Você prometeu que ia olhar com quem você tava andando. Parceiro, e trabalhei o dia todo hoje, cara. Fechei um monte de almas aí, tô cansado...

   - Mas eles não tão aqui, o que que eu faço?

   - Não vem pra cima de mim com esse papinho de que você tá sozinho, cara. Se você tá sozinho, não olhou direito hein! - ele parecia estressado. O que eu fiz? - Tem uma solução que eu posso oferecer. Vai ver como é fácil.

   - Fácil fácil?

   - Fácil. Senta ai em qualquer lugar, vai precisar descansar. Vai pra casa, deita e finge que tá em câmera lenta.

   - Caindo, e caindo, e caindo, e caindo... - eu já estava imaginando, não era engraçado?

   - Caindo em câmera lenta, com esse vento te soprando e a gravidade controlando seu corpo.

   - Em queda livre...

   - Sim, cara, é chamado de queda livre.